sábado, abril 07, 2012

Momentos em imagem #3

Todos os dias me sento na cadeira da esperança e da utopia.


É uma das imagens mais bonitas e mais simbólicas que alguma vez recolhi. Em Rethymno, na Ilha de Creta (Grécia), enquanto vagueava pelas praias, encontrei esta cadeira exactamente como se vê na imagem. Não lhe mexi, não a tentei colocar de forma diferente! Não sei como ali foi parar, nem se era pertença de alguém! Virada para o mar, para o horizonte, para o Norte, onde está Atenas e a Europa, parecia adivinhar que o lugar do sonho e da esperança estava prestes a ficar vazio e a tornar mais solitária a caminhada dos povos, principalmente dos Gregos. Centro da cultura filosófica europeia esta cadeira foi substituída pela cadeira bélica europeia.

quinta-feira, abril 05, 2012

Repentes #8 - Reformem as asneiras!

E viva a continuação do disparate! Não bastava obrigarem as pessoas a ter de aturar os cortes e outras safadezas que se passam no sector público, e agora obrigam-nas a não poderem optar pelo direito de escolher se querem ou não reformar-se mais cedo (conscientes que estão as pessoas de que serão bem penalizadas!". É um ultraje às pessoas que já deram muito de si e um verdadeiro ataque à qualidade dos serviços! Já viram alguém a fazer um bom trabalho quando está a ser contrariado?
Cheira-me que com este "remédio" de não permitir aposentações até 2014, os cérebros do Governo vão conseguir arranjar um "veneno" ainda mais desagradável - alguns milhares de baixas por longo tempo!
Já agora um desabafo: ainda bem que a Assunção Esteves e outros de igual valia já estavam reformados antes deste Governo! Já viram o que era se tivessem mesmo de trabalhar?

é proibido não proibir

Deixou de ser
proibido
proibir!
Permitido é
que as ruas não sejam violadas
por gentes enxovalhadas
que, descalças,
procurem direitos
e oportunidades.
É proibido
não proibir,
disse a troika
dos vampiros.
Permitido é pagar
com o sangue
ou com a vida
as altaneiras diversões
de alegres foliões
da alta roda
política.
É proibido
não proibir,
disse o Ministro
e o Presidente.
É permitido encerrar
na cabeça um
cacetete
e um meio-dia
na prisão, onde
preste depoimentos
por ataque à
ordem de proibição.
É proibido
não proibir
de ficar no país
quem queira comer pão
e já não vá na ilusão
daqueles que lho roubam.
É proibido
não proibir!
É proibido permitir
que se permita a
liberdade
e que um povo
maltratado
faça soar a sua voz.
Deixou de ser proibido
matar quem use a voz
na direcção da utopia
e da comunhão da
igualdade.
É proibido
não proibir!


(d.r.)

Pensalamentos #43


Cansei-me de
respirar
o fétido ar
de um Portugal
truncado
de um valor social
e de qualquer resto de
humanidade.

quarta-feira, abril 04, 2012

Repentes #7 - Acelera, Soares!


A serem verdadeiras as palavras que são atribuídas a Mário Soares pelo Jornal de Notícias (ver aqui), depois de ter sido apanhado em excesso de velocidade num veículo do Estado (que lhe "pertence" por ter sido chefe do mesmo Estado), demonstram bem a solidariedade com que estes "grandes heróis" da nação tratam quem nos dias de hoje passa por dificuldades. Venham agora, Soaristas, defender a voz e a opinião deste senhor que, pelos vistos, fala bem mas ainda se governa melhor... à conta de todos nós!
Só uma palavra serve para legendar esta sem-vergonhice que é comum a muitos antigos governantes e políticos do país: "Merdosos!"

terça-feira, abril 03, 2012

11. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica sobre os joelhos da Assunção ou dos recibos esverdeados

1. Não é todos os dias que temos o prazer de assistir a mudanças radicais na política da Segurança Social, para além daqueles momentos em que entra um amigo laranja para o lugar do amigo cor-de-rosa. Daí que pensei que o dia das mentiras tinha chegado quando fiquei a saber que a roubalheira aos bolsos dos trabalhadores a recibo verde, feita por quem se quer solidário, poderia ter, finalmente, um alívio. Claro está que falo da já anunciada decisão de permitir que os trabalhadores independentes por necessidade acedam ao subsídio de desemprego. Mas como não poderia deixar de ser, tudo não passa de uma grande jigajoga governamental que fará com que os já depenados trabalhadores que retêm 21,5% do ordenado para o IRS e que devolvem 23% do mesmo ordenado para o IVA, e que somam a tudo isto uma quantia que pode chegar aos duzentos e tal euros para pagamentos à Segurança Social, sejam forçados a manter, parece que a partir de agora e até daqui a dois anos, a entrega intensiva de dinheiro a essa mesma entidade de solidariedade social, mesmo que não ganhem qualquer verba durante esses mesmos dois anos. Confuso? Sim, confesso que é muito confuso. (...)


Guarda, 02 de Abril de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Excerto da Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 3 de Abril de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

segunda-feira, abril 02, 2012

Crónica Bombeiros.pt: Aos bombeiros ninguém deve nada! Ou querem resolver isso à bastonada?

1. Era engraçado se fosse mentira, mas não é! O Ministério da Administração Interna (MAI), através do seu trapalhão porta-voz que é ao mesmo tempo o responsável máximo do Ministério, Miguel Macedo, veio por estes dias afirmar a plenos pulmões que o MAI não deve nada aos bombeiros portugueses. Claro está que, no entanto, se prontifica desde já para apoiar os bombeiros naquilo que for necessário, nomeadamente ao nível dos gastos com as refeições. Depois disto, eu só consegui ter voz para referir meia dúzia de coisas: “Obrigado, senhor Ministro! Muito obrigado mesmo! Então quando houver dinheiro para pagar o arranjo dos carros e para comprar aquela coisa que faz andar as viaturas, que todos os dias aumenta de preço, faça favor de chamar. É que eu vou estar ali no quartel a comer uma bifana que o senhor pagou! Ok?” Como é óbvio, não estou para aqui a queixar-me da pronta intenção solidária do senhor em encher a barriga aos combatentes, mas talvez seja preciso mais qualquer coisinha. Para além disso, será que devemos receber de forma passiva estas palavras? Então, todos os dias há incêndios. Para aqueles que não sabem, a estrutura de combate a nível nacional está a funcionar com cerca de 70% de voluntários. E o Ministro diz que o MAI não deve nada aos bombeiros?

(...)

Guarda, 01 de Abril de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Texto publicado e disponibilizado no Portal Bombeiros.pt no dia 02 de Abril de 2012)

João Paulo II


Estava em Coimbra e acompanhei emocionado as últimas notícias sobre João Paulo II. Sete anos depois, continuo a considerar que o homem revolucionou as mentalidades, convencendo-nos de que a mudança é possível se respeitarmos os outros.
A sua mensagem é eterna e partilhá-la-ei com o meu filho no futuro!

Mentira (não completamente) de 1 de Abril

Sim, não estou de partida, para já! Mas tudo se conjuga para que possa ser, em breve, mais um dos muitos que fartos desta treta de país se mudam para outro qualquer, desde que longe! A Austrália, lá longe, é um dos destinos preferidos por nós (família) por causa das leis justas e do respeito pelas pessoas. Só um exemplo: sabiam que na Austrália a reforma é igual para todos, ricos e pobres? E que os muito ricos não têm direito a essa reforma? Eu também não sabia e fiquei muito contente por saber que o respeito pelas pessoas acontece algures no mundo num sítio que tem nome.
Para já fico, mas duvido que por muito mais tempo.

domingo, abril 01, 2012

Até ao meu regresso

Um dia acontecia e, curiosidade, foi hoje mesmo. Pouco depois do jogo do Benfica, recebi a notícia: "É hora de partir!"
Direi mais amanhã, mas é certo que nos veremos apenas de ano a ano ou ainda maior espaço de tempo.Cá vou eu para o país dos koalas!Deixem-me fazer as malas, parto já na segunda.

quinta-feira, março 29, 2012

Momentos em imagem #2



Os anjos estão onde menos se esperam. Em Março de 2008, mais ou menos por esta altura, encontrei este em Barcelona.
Admiro imenso o trabalho que estes artistas (vulgarmente chamados de homens estátua) fazem. Está tocou-me pelo simples facto de me ter dado uma pequena estrela, que guardo religiosamente, com votos de felicidades. Bem sei que foi apenas uma mulher a dar um objecto a um homem, mas prefiro olhar para o gesto com uma enorme carga simbólica e poética: um anjo a encaminhar um homem perdido!

terça-feira, março 27, 2012

Pensalamentos Emprestados #8

"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço."


(Álvaro de Campos)

domingo, março 25, 2012

10.Crónica Diária na Rádio Altitude(3.ª temporada) – Crónica dos gritos de liberdade na literatura ou da justiça que nunca mais chega à humanidade (*)

1. Talvez todos os que me rodeiam tenham razão e talvez a minha única alternativa seja fingir-me de ficção. Sim, talvez a única opção para quem acredita na coerência e na lisura de comportamentos seja rodear-se de irrealidades em que não acredita e tornar-se membro honorário do clube português de negócios, onde só entra quem já tiver vendido a mãe e estiver a segundos de terminar a licitação do pai (mas tudo isto ao melhor preço!). Eis a ridícula opção para sobreviver em Portugal, treta de país onde reina a corrupção, o desrespeito por leis e a crónica atitude de passividade perante um bem superior que se nos oferece. E apetece-me, aqui, concordar com o banqueiro, personagem central do conto “O banqueiro anarquista”, de Fernando Pessoa, que diz a certa altura: “Empregar todo o nosso desejo, todo o nosso esforço, toda a nossa inteligência para implantar, ou contribuir para implantar, uma ficção social em vez de outra, é um absurdo, quando não seja mesmo um crime, porque é fazer uma perturbação social com o fim expresso de deixar tudo na mesma.” E lembro-me, inevitavelmente, das palavras magoadas de Manuel António Pina a caracterizar os homens e mulheres dos seus vinte anos, cheios de utopias e de crenças na melhoria e na mudança do futuro de um país que esteve demasiado tempo no tronco da opressão, mas que se revelaram habilidosos continuadores da usurpação de liberdades. E lembro-me das histórias sobre gritos de revolta, ensaiados pelas ruas, que culminariam numa madrugada enganadora e puramente ficcional, a que eufemisticamente demos o nome de Revolução. E espero, ainda, o dia em que a opressão seja verdadeiramente subjugada pela igualdade e onde a tirania deixe realmente de ter “um machado que corte a raiz ao pensamento”. E sinto-me, na proximidade dos meus trinta anos, enganado pelas utopias que me venderam e que me prometiam um futuro justo e pleno de igualdade para todos os habitantes deste triste país, onde aos filhos da revolta foi prometido o fim do sofrimento imposto pela ditadura dos direitos desiguais e das leis do Príncipe João e do seu Xerife de Nottingham. E acordo assustado de cada vez que olho pela janela e vejo que, editado em 1890, o livro Os Selvagens do Occidente, de Alfredo Gallis, parece o relato dos dias de hoje em que “O fisco, de olhar matreiro e ventas dilatadas, anda todo o santo dia a cheirar as algibeiras do pobre, a ver se lhe pode roubar alguns ceitis para encher o tesouro público, miserável canastra sem fundo, que outros se encarregam de despejar.

(...)

Guarda, 18 de Março de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 20 de Março de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

(*) Por uma questão de princípios.

Ausência forçada

Perdoem-me todos os leitores regulares deste blogue o abandono a que o votei. Durante cerca de uma semana fui atacado por um mal que tende a ser generalizado: a "net" ficou sem "plafond"!
Perdoem-me!

sábado, março 17, 2012

Pensalamentos #42


Lá fora chove mansamente
sobre as camélias,
os narcisos e as rosas
ou sobre os lentos
rebentos dos pessegueiros
e pereiras
Lá fora
onde as viçosas berças
de outrora
se consomem pela lagarta
Lá fora
onde a terra cheira
a terra
e as gotas se esmagam contra
as pedras
Lá fora
onde não estou eu
nem eu

Cá dentro
as lágrimas caem
solitárias

quinta-feira, março 15, 2012

Repentes #6 - Pobre Público

Ao que parece, tudo aquilo que não produz, mecanicamente, algum tipo de substância prontamente empacotada e enviada para o centro comercial mais próximo de si é para cortar e depressa! Revejo-me completamente nesta opinião de Manuel Poppe, que tem lutado imenso contra o aparvalhamento e a incultura nacional, e, ironicamente, acrescento: se isto da educação é uma merda e não vale de nada, porque deixam, os senhores que escrevem tais aberrações, os vossos filhos na escola? Sim, quem tem filhos mais pequenos, porque os deixa, também, no Jardim de Infância? É que lá os trabalhadores passam o dia a olhar pelas crianças e não produzem "nada"!
Enfim, pena que um jornal de referência nacional se dê à venda da sua integridade, reconhecida pelos leitores, em troca de uma qualquer "sopradela de ouvido". Já aqui salientei o serviço público que prestou à educação e ao país quando trouxe perguntas pertinentes para a praça pública e nos mostrou a fraca visão dos nossos governantes, mas agora teve de se curvar "aos senhores".
Parece impossível, mas nem no salazarismo a classe docente foi tão perseguida por tão ignóbil gente!

quarta-feira, março 14, 2012

Momentos em imagem #1

Concordo em absoluto com esta metáfora!


(registo fotográfico efectuado por mim numa grande superfície comercial)

sábado, março 10, 2012

Pensalamentos #41

Aziado,
com os extremos da vida,
encontro as barreiras
supérfluas
do tempo.

Derrotado,
entrego-me à corrupção
de um momento
alegre.

quinta-feira, março 08, 2012

Pensalamentos #40

Há o fim
o princípio
o meio
o quase
o início
o intervalo
e tudo
o tempo controla
de forma mecânica e
por vezes
feroz.

Lá pelo
meio
de tudo quanto dizem
existes tu
e a
tua existência
breve.

quarta-feira, março 07, 2012

Pensalamentos #39

E
depois há
este comprometimento
com o abismo
este pulsar agónico
de atracção
cataclísmica
que nos empurra para
terras de escuridão
onde nem
Orfeu
nos socorre.

terça-feira, março 06, 2012

09. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica precisão educativa ou das perguntas difíceis (*)

1. Do meio da loucura capitalista e das mais valias originadas pela exploração sem sentido dos poucos dinheiros dos contribuintes, há, por vezes, algumas acções que merecem destaque e uma análise por parte de nós, pobres comentadores que ninguém ouve ou sequer escuta, mas que também lêem jornais. Daí que o facto de o jornal Público ter uma versão gratuita é estranho, mas mais estranho é essa versão gratuita ser uma análise muitíssimo interessante da vida que nos rodeia e dirigido pelo filósofo José Gil. Se não estão a reconhecer o nome ou se estão a confundi-lo com o músico João Gil, desenganem-se e leiam o seu ensaio extremamente pessimista acerca do nosso futuro enquanto pátria chamado: “Portugal hoje, o medo de existir”. Para além de uma visão muito negativa acerca daquilo que os portugueses vêem como futuro, o autor refere ainda a face negra daquilo a que chamamos, com algum carinho à mistura, democracia portuguesa. Mas isto são só duas ideias que perpassam por todo o ensaio, que deve ser lido por quem educa e por quem se preocupa.

(...)

Guarda, 05 de Março de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 6 de Março de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

(*) Por uma questão educativa!

domingo, março 04, 2012

Há dias felizes #1


Tudo não passa de
alegria incontida
pela presença
calorosa
de um filho.
Eis que a simples
existência
se faz vida.

sábado, março 03, 2012

Pensalamentos #38


Entristecem-me as
ausências
injustificadas dos entes
que rodeiam
a minha real
existência.

Talvez
não passem de ficção
que um dia
criei.

quinta-feira, março 01, 2012

Pensalamentos #37



Acredito no fim
e talvez no princípio.
Acredito na inexistência
e talvez na existência.
Acredito em vida
finda ao fim da morte.
Acredito na tristeza
da longínqua
saudade.
Acredito no sofrer
e também
na dolente
caminhada
solitária
para um horizonte
pleno de trevas.

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Crónica Bombeiros.pt: A derradeira encruzilhada?

1. Todos, mas mesmo todos, parecemos ter agora descoberto a pólvora, pois ninguém parece ter-se apercebido antes do porquê da queda em desgraça de centenas (já serão milhares?) de postos de emprego nas corporações de bombeiros! Depois de vários anos de desnorte e de vida desafogada, onde a questão da sustentabilidade mais não era do que um problema que se resolvia com o subsídio governamental e com as verbas provenientes do transporte de doentes, vemo-nos agora sem alternativas. Como é óbvio, o número de transportes de doentes pagos pelo governo teria de diminuir a partir do momento em que a “máquina hospitalar” passou somente a ser gerida por calculadoras, deixando de parte qualquer espécie de acção social. Claro que as corporações de bombeiros eram beneficiadas com as verbas provenientes destes transportes que não eram urgentes. Com a passagem do papel de pagador do transporte de doentes não urgentes das unidades hospitalares para os utentes desfavorecidos financeiramente, a leitura final é simples: os utentes não têm dinheiro para pagar um serviço que é, temos de ser honestos, caro para o português médio! Enquanto utentes de um serviço nacional de saúde, poderemos afirmar que a falta de valências hospitalares numa determinada região desfavorecida do país será algo que não nos pode afastar dos cuidados de saúde de excelência que existem noutros pontos do país. E estamos certos! Por isso é que as despesas de transporte de doentes não urgentes para realização de consultas ou exames, por exemplo, em Coimbra eram, de uma forma justa, assumidas pelo Ministério da Saúde. Mas tudo isto terminou com a ascensão do interesse económico cego.

(...)


Guarda, 26 de Fevereiro de 2012
Daniel António Neto Rocha

drocha@bombeiros.pt


(Texto publicado e disponibilizado no Portal Bombeiros.pt a partir das 00h00m do dia 27 de Fevereiro de 2012)

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

terça-feira, fevereiro 21, 2012

08. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica dos meus carnavais ou da formação para a escrita (*)

1. Nunca fui um fã incondicional do Carnaval, ponto. No entanto, nunca me abandonei a um estado de apatia tal que não reparasse que existia, para os lados do Entrudo, uma realidade cultural e social riquíssima prestes a ser devorada pela minha curiosidade. Deixem-me contar-lhes, em duas ou três penadas, o início desta minha relação quase antagónica com os dias da tradição mais indisciplinada que eu conheço. Tudo começou quando ainda vivia na Guarda (tinha para aí dois ou três anitos), junto à capela de São Pedro. Nessa altura, o mundo parecia perfeito. Naqueles dias ainda brincava com o meu irmão no meio da estrada em frente ao café, então, pertença da família. A diversão era constante e só era interrompida pela ocasional passagem de um automóvel. Pois bem, foi nesses inícios que começaram a existir registos dos fatos ou costumes com que, desde aí, a minha mãe e as minhas tias maternas nos iam envaidecendo. E ainda têm muito jeito, sim senhores! Os registos fotográficos não enganam e, lá no meio da recordação saudosa, vem um ou outro motivo de humor ou de heróica figuração. A foto mais falada, destas nossas carnavalescas andanças, envolve aquele marco dos correios vermelho (que ainda hoje está em frente à casa do bispo) e dois gentis homenzinhos: uma bela dupla de Super-Homens que se aprestam a salvar o mundo das suas cruéis provações e das suas hipócritas resoluções. Eu e o Sérgio éramos dois super-heróis prestes a travar as mais duras batalhas das nossas vidas, mas ainda envergando o delicado sorriso dos nossos inocentes anos. Não muito mais tarde, juntar-se-ia a nós o Hugo, que, por ser um pouco mais novo, já não envergou para a posteridade aquele traje heróico no mesmo sítio. Mas estas são as primeiras memórias dos carnavais que vi quando era criança e vivia na Guarda.

(...)

Guarda, 20 de Fevereiro de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 21 de Fevereiro de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

(*) Por uma questão de vaidade!

sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Pensalamentos Emprestados #7

"Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade."


(Fernando Pessoa, Mensagem, 1.ª estrofe do poema "Prece")

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

O Galo (20 de Fevereiro de 2012, pelas 21h30m, na Guarda)


Gosto imenso desta foto! É do espectáculo "Minimamente", do Teatro do Tintinolho, e apresenta-me numa viagem de comboio. Aí, travo conhecimento com uma mulher que trata mal a minha tia... E começa a guerra! Pois bem, ela acaba por ganhar e enforca-me. E termina assim esse quadro teatral. Ironicamente, também como autor dos textos do "Julgamento e Morte do Galo do Entrudo" deste ano terei direito a uma sentença. E que tal se tu, que me lês, vieres ver e ouvir para dares a tua opinião? Não, a entrada é gratuita, pois não há cobradores escondidos pela rua. Dia 20 de Fevereiro (a próxima segunda-feira), pelas 21h30m, vem julgar o Galo... e julgar-me a mim!

Partilhei-me no Café Mondego

Leiam aqui a minha "Partilha" no Café Mondego!

terça-feira, fevereiro 14, 2012

Pensalamentos #35

E no meio de todo
este
barulho arrepiante
de compras e vendas
e mentiras e
curvas lancinantes
preocupei-me em ver
além
junto à ponta do abismo
o que realmente
interessa reter
e aqueles
que não nos
abandonam.

segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Pensalamentos #34

A um dia mau

Assustado, restei
envolto em
amanhãs
de tom grave
e de cruel expectativa.
Pedi, a quem me acolhesse
em profana oração,
que me salvasse
de provação terrível
e homicida
mudez.

sexta-feira, fevereiro 10, 2012

Repentes #5 - Novo livro de Eduardo Lourenço


Eduardo Lourenço prepara-se para lançar, já nos próximos dias, um novo livro com o promissor título: "Nós e a pieguice ou como se amordaça o povo".
Segundo o autor, este livro estava já preparado há vários anos (especulam os críticos literários que foi preparado às escondidas do Estado Novo!), mas nunca mereceu vir a público porque poderia diminuir a imagem dos portugueses que foi eternizada nos Descobrimentos e, mais recentemente, na saudosa revolução dos cravos, podendo até comprometer as negociações para a venda da participação pública da EDP à multinacional chinesa "Três Bocarras".
Sabe-se que as FNAC's e Bertrand's do país têm já centenas de leitores acampados às suas portas, esperando a publicação da explicação de Lourenço para este mal que corrói o país e que impede os sucessivos Governos da República de prestarem grandes serviços aos cidadãos.
Em breve, esperamos poder apresentar uma recensão crítica sobre as principais linhas desta que pode bem ser a grande obra literária do terceiro milénio português e, também, poder apresentar a palavra que é lei de Marcelo Rebelo de Sousa acerca deste opúsculo e dos seus ecos no país profundo.

Este blogue pode já adiantar uma das frases que promete gerar mais debates e discussões acesas:
"Os Portugueses vivem em permanente altercação, tão obsessiva é neles a pieguice de não pagar impostos conscientemente e a correspondente vontade de pedir aos pais que continuem a pagar-lhes a segurança social para que eles não caiam nas garras dos tribunais, tanto quando são solteiros como depois de casados."

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Pensalamentos #33

De costas viradas para o Sol,
caminho lentamente nos húmidos
campos, enquanto se erguem
as frias Erínias do cálculo
terrífico e se apostam a verter
o meu sangue. Já culpado,
entrego-me
à decisão de Atena.

terça-feira, fevereiro 07, 2012

07. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica ao Professor Tó Zé ou do Prémio Café Mondego 2011 (*)

1. Estávamos já nos últimos anos do milénio anterior quando eu e o Armando desatámos à “porrada” em pleno corredor. Éramos, por esses dias, alunos do terceiro ciclo no Liceu e, acabadinhos de fazer a Telescola em Famalicão, chegávamos à Guarda com propósitos um tanto ou quanto enevoados – nem nós sabíamos bem o que queríamos, nem aquele espaço parecia oferecer-nos nada daquilo que nos estava destinado. “Putos” da aldeia, meio “gandins” e com alguns problemas em aceitar que nos apelidassem de “ruras”, vingámo-nos um no outro, não sei bem porquê. Penso que nunca mais trocámos mimos idênticos, apesar de, com toda a certeza, termos trocado mais algumas palavras azedas. Por esses dias, pelos cantos da mítica escola de Vergílio Ferreira, eram contadas histórias inacreditáveis sobre um bando de malfeitores que possuía um título pomposo: os alunos da turma H. Como seria de esperar, nós pertencíamos a essa turma. Pois bem, entretidos na troca de galhardos murros misturados com sublimes pontapés, não reparámos no amontoar de professores e funcionários que se afastavam, temendo aqueles dois monstros que se digladiavam. Ali estivemos em agradável esbofetear alguns minutos até que um desconhecido apareceu e nos separou, enquanto nos dedicava palavras plenas de boas intenções. Foi a primeira vez que eu o vi e nunca mais lhe esqueci o rosto. Claro está que a vergonha de não termos terminado o combate não tinha espaço para vingar no seio de tão vil turma e as horas seguintes foram plenas de elogios retumbantes: “Grande esquerda!”; seguido de “Fantástica direita!”; depois o “Parecias o Undertaker!”; e por fim o mítico “Aquele carrinho foi melhor do que o do Paulinho Santos!” O pior é que estava para vir, e depressa! Foi logo no Domingo seguinte. Nesse tempo, cometia os pecados na escola e confessava-os na missa dominical, onde era também acólito. E, claro, o Armando também. No preciso momento que se seguia ao “Ide em paz”, lá ia eu rua fora quando vejo a figura, risonha, do pacificador da minha disputa semanal. Fiquei boquiaberto! Ele? Aqui? Vim a saber minutos mais tarde que era natural de Famalicão e ouvi pela primeira vez o seu nome: António José Gouveia Dias de Almeida ou, num registo muito mais familiar e amigável, o Professor Tó Zé. Como é óbvio, para um puto com aquela idade, era preciso evitar conversas para que ninguém viesse a saber da tarde de violência, mas o seu nome nunca mais desapareceu da minha memória. Ainda para mais depois de saber da extrema afeição que ele sempre teve pela minha família materna.

(...)

Guarda, 06 de Fevereiro de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 7 de Fevereiro de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)


(*) Por extrema amizade, esta crónica é publicada na íntegra!

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Pensalamentos #32

Talvez, no frio deste caminhar deambulante,
o calor atmosférico me encontre
enrolado a um lençol roto e
transparente tecido
nas almas puras
de seres alados
e alienados.


domingo, fevereiro 05, 2012

Pensalamentos #31


A uma imagem esquecida no tempo

Todos os tempos são eternos
enquanto os momentos se interligam.
A curva que atravessamos de vez a vez
e em que rebatemos o hábito
ingrato,
aparece brilhando no horizonte.
Assim que desaparecemos,
na curva que apanhámos,
oferecemos todo o passado,
como ex-voto, à memória.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Julgamento e Morte do Galo do Entrudo 2012 (5.ª edição)


Aqui está o sugestivo cartaz da 5.ª edição do "Julgamento e Morte do Galo do Entrudo"! Neste ano coube-me o jogo de palavras na íntegra. Espero que apareçam para darem uma sentença. Sim, não é só o Galo que será julgado, mas será o único a enfrentar uma bela morte. Refastelado? Dia 20 de Fevereiro, pelas 21 horas e 30 minutos, terão o prazer de o saber! Posso adiantar que me deu um gozo tremendo urdir este texto. Julguem-no, por favor!

terça-feira, janeiro 31, 2012

Repentes #4 - Justiça, mas que injustiça!


Depois de ouvir a Senhora Dona Maria José Morgado dizer que os pobres dos magistrados que se se deslocarem não têm condições para efectuar o seu serviço com a paz de espírito e a concentração necessárias que o grandioso dever precisa e, depois, de referir que dadas essas condições o seu trabalho e a sua avaliação será prejudicada, lembrei-me de lhe perguntar: os professores que palmilham Portugal de Norte a Sul podem dizer o mesmo? É que muitos deles têm a família a 300 quilómetros e não têm subsídio de habitação, e têm de ser avaliados apesar de tudo isso!
Talvez esta gente não saiba, mas o grande inimigo da produtividade em Portugal é o desrespeito que as pessoas sentem por parte dos privilegiados, que recebem muito, muito bem (no caso dos que são contratados) e que pagam o que querem aos seus empregados, exigindo não o que pagam mas o que deveriam pagar!


domingo, janeiro 29, 2012

Pensalamentos #30


Gastamos tanto tempo a pensar que o importante é arranjar e manter amizades que nos esquecemos de que os verdadeiros amigos são aqueles que encontramos por acaso e nunca mais se esquecem de nos dizer: "Olá, estou aqui!"


terça-feira, janeiro 24, 2012

06. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica da Loja Marquês de Sade n.º 69 ou dos “Croissants” Guardenses

1. Podem não acreditar, mas toda esta conversa sobre maçonaria e sobre a Loja Mozart me fez lembrar as histórias de piratas de Emilio Salgari ou os livros de Hergé e do seu herói Tintim. Cada macaco no seu galho, as histórias do italiano e do belga são grandes pérolas da literatura mundial, que envolvem intensas e inacreditáveis narrativas de piratas e bem urdidas histórias que envolvem “gangsters”! Já estas novelas à volta da maçonaria não passam disso mesmo e são histórias tão mal contadas e com tão maus actores que é uma pena não existir justiça em Portugal, pois, se houvesse, resolver-se-iam ao mesmo tempo dois problemas: primeiro, prendiam-se os maus actores que fazem de gente de alto gabarito e corrupta; e, segundo, desterravam-se os contadores de histórias, para que não houvesse mais destas cenas ou quaisquer próximos capítulos. Mas, como não há lei para esta gente “ilustre”, nem sei porque perco tempo a conjecturar horizontes utópicos. Daí que o melhor mesmo é rir da desgraça que é ser português e acreditar que, por trás de qualquer uma das vastas lojas deste país, existe alguma máfia que ainda nos há-de valer.

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Guarda, 23 de Janeiro de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Excerto da Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 24 de Janeiro de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

sábado, janeiro 21, 2012

Li: A Divina Pestilência, de João Rasteiro

A seguinte recensão está publicada na revista cultural Praça Velha, n.º30.


Silêncio silabado: A Divina Pestilência, de João Rasteiro


5. Um súbito silêncio entre as
sílabas de certas palavras
que fica depois a pairar perto dos lábios.

(Manuel António Pina)



Se atentarmos na real necessidade de efectuar uma recensão crítica a uma obra que foi objecto de avaliação e de ponderação por um júri especializado na análise poética, facilmente chegamos à conclusão de que pode ser uma perda de tempo a atenta leitura e a posterior reflexão sobre essa obra vencedora de um qualquer prémio literário. No entanto, teremos de aqui concordar com sábias ideias avançadas por Edgar Allan Poe, um dos incontornáveis e polémicos nomes da literatura mundial, no seu artigo “Carta a B –“. Diz-nos ele (por outras palavras), no meio de uma reflexão acerca da crítica literária (naquele caso a um poema), que um idiota é capaz de dizer que Shakespeare foi um grande autor sem nunca ter lido uma só linha dos seus textos. Daí que nem sempre as críticas são justas ou suficientemente aprofundadas. Tem Poe toda a razão, não só acerca daquela que foi a massa crítica no seu tempo como ainda mais razão conseguiria se se referisse aos tempos que correm. Vejamos, a partir da opinião de ilustres colunistas, a quantidade de autores que nem precisam de ser lidos para serem certezas do próximo cânone literário. Pois, também nós poderíamos aceitar dogmaticamente a decisão de um júri e lançar “laudas” a qualquer obra que seja vencedora. Mas, não estaríamos nós a pactuar com o eternizar do facilitismo e do conforto da opinião única, e, na base, a abdicar da nossa própria inteligência? Eis a impossibilidade que nos atinge e que nos leva a optar por uma posição questionadora e, por vezes, conflituosa, mas extremamente positiva e evolutiva ao nível da construção de um intelecto saudável.
Serve a anterior reflexão de preparação para a análise crítica à obra A Divina Pestilência, de João Rasteiro, vencedora da 1.ª edição do Prémio Manuel António Pina (2010), oportunamente criado pela Câmara Municipal da Guarda em colaboração com a editora Assírio & Alvim. Sobre o autor, poderemos dizer que não será um desconhecido para quem segue de perto o fenómeno poético, uma vez que tem uma presença constante na revista Oficina de Poesia e tem já publicados outros livros: A respiração das vértebras (Editora Palimage), em 2001; No centro do arco (Editora Palimage), em 2003; Os cílios maternos (Editora Palimage), em 2005; O búzio de Istambul (Editora Palimage), em 2008; Pedro e Inês ou as madrugadas esculpidas (Editora Apenas), em 2009; Diacrítico (Editora Labirinto), em 2010; e Tríptico da súplica (Editora Escrituras), em 2011 no Brasil. Para além destas referências, João Rasteiro tem colaborado intensamente com o Brasil, resultando daí algumas das influências que se encontram em A Divina Pestilência e que a transformam num objecto poético invulgar ao mesmo tempo que é um exercício estético de excelência. Sim, tal como Edgar Allan Poe diz no artigo acima referido: “(…) podemos supor que os livros, como os seus autores, melhoram com as viagens”, mesmo que essas viagens sejam unicamente fruto da leitura e da partilha de sensações poéticas, acrescentamos nós. E destas viagens que o autor faz por diferentes culturas e diferentes estéticas (que tentaremos expor mais à frente) nasce uma obra que poderíamos apelidar de multifacetada, tantas são as referências e as hipóteses de leitura que suporta e que nos vai obrigando a relembrar ou a solicitar. Talvez seja esta a grande virtude da quase totalidade da obra: a capacidade de perturbar o leitor e de o levar a “tentar” várias leituras de cada um dos poemas que a compõem.
Tentemos, agora, vislumbrar o interior da obra e perceber as relações de sentido que são desde logo despoletadas, não nos esquecendo da importância que a viagem encerra ao longo das páginas d’ A Divina Pestilência. Pensamos que qualquer leitor terá curiosidade em perceber o porquê do título, que encerra em si duas palavras que são antagónicas (note-se a existência do oximoro): “divina” encerra em si um sentido que aponta para o sublime, a perfeição, para algo que se relaciona com os próprios deuses; enquanto “pestilência” aponta para a doença, para a peste, para as epidemias que dizimam milhões e para a própria morte. Temos, portanto, um título que é paradoxal e que apanha o leitor exactamente pelo intelecto, levando-o a raciocinar e a procurar outros caminhos para o entendimento. Nessa procura por outras explicações, porque não já no interior do livro, o leitor é confrontado com as sete epígrafes (que acompanham o título de cada parte da obra) retiradas da obra maior de Dante: A Divina Comédia. Como sabemos, este título revela desde logo aos seus leitores que a obra do poeta florentino (que é autor e personagem de uma imensa viagem que atravessa o Inferno e o Purgatório, e termina no Paraíso), quanto ao conteúdo, termina de forma feliz. No caso da obra em análise, e seguindo um raciocínio idêntico, poderemos ser levados a interpretar o paradoxo do título com a possibilidade de a obra conter um sentido negativo e que aponte para um final infeliz ou não satisfatório, uma não realização da palavra ou um verbo sem sentido. Continuemos. Após esta reflexão inicial, o autor apresenta a epígrafe prefacial da obra que é constituída por dois haikai do imenso poeta japonês Matsuo Bashô (1644-1694). Estes haikai, que apelam à concisão e à precisão doutrinárias, apontam um sentido de escuridão no poema, demonstrando que o que poderá sobrevir no resto da obra é a constatação de uma esperança que poderá não existir. Já no haikai de Bashô que fecha o livro, apela-se ao silêncio que deixe a natureza fluir e realizar-se plenamente, sendo esta leitura compatível com as necessárias condições que devem ser reunidas para a existência de uma fruição poética completa. Convém referir que este tipo de poema, que ao nível da versificação aponta para uma espécie de terceto irregular, não tem quase expressão em Portugal (Albano Martins, David Rodrigues, ?), mas no Brasil é cultivado desde o início do século XX (1919), por influência do poeta simbolista Afrânio Peixoto. Como referimos acima, a ligação de João Rasteiro com um conjunto de autores brasileiros contemporâneos e o seu gosto pessoal pela poesia daquele país poderá ter despoletado neste a forma escolhida para nos apresentar o seu livro A Divina Pestilência, pois também (conforme veremos mais adiante) a estrofe escolhida pelo autor é o terceto que se aproxima do haikai (não puro) pelo conteúdo, mas que se fica por uma espécie de terceto chave-de-ouro (roubando essa designação à derradeira estrofe do soneto) que encerra a moral ou que pretende resumir o restante texto. No entanto, poderemos ainda acreditar que o autor pretendeu com a utilização do terceto seguir a estrofe utilizada na obra de Dante. Todas hipóteses atrás citadas são plausíveis e pretendem a subjectividade que preenche a escrita do poema, cabendo-nos a nós, que o lemos, escolher a tentativa de interpretação que mais nos agradar. Neste caso, e tentando concluir a ideia iniciada com a reflexão sobre o haikai, convém ter em atenção que João Rasteiro consegue reunir com um agradável equilíbrio culturas distantes física e culturalmente: a ocidental, através de Dante, e a oriental, através de Bashô, ficando a dúvida sobre qual é a cultura que pretende salientar ao invés da outra. Na nossa opinião, nenhuma delas é submetida à outra, antes funcionando estética e representativamente ambas de forma eficaz.
A obra, em termos organizativos, é composta por sete partes, que possuem os nomes das sete colinas que rodeiam Roma: Aventino, Campidoglio, Celio, Esquilino, Palatino, Quirinal e Viminal. A escolha destes títulos para encabeçarem as sete partes da obra não parece relacionar-se com Dante. De outra perspectiva, podemos pensar, por um lado, que é esta uma espécie de celebração da multiculturalidade da cidade que foi Império, tentando o autor apresentar a sua obra como o resultado de várias vivências culturais, ou, por outro lado, que a alusão às sete colinas poderá funcionar como uma alusão aos sete pecados capitais, que como sabemos, são uma das imagens que desde sempre está ligada à la grande meretrice (a cidade de Roma sem moral ou pudor). A realidade é que as colinas são dispostas alfabeticamente, não dando a entender que existe uma qualquer orientação geográfica ou uma qualquer opção estilística, mas uma opção meramente organizativa. Já a referência contínua ao sete (vejamos que as sete partes da obra possuem, cada uma individualmente, sete tercetos) aponta, tanto na tradição bíblica como nas tradições muçulmana e oriental, para a perfeição, sendo destacado na organização dos livros sagrados e da própria cosmologia do universo que cada religião apresenta. A existência do sete pode ainda supor, em associação com a tonalidade negra da obra, o apontar para o Apocalipse, que é também constituído por séries de sete e que aponta para “a plenitude de um período de tempo concluído”, segundo as palavras de Chevalier e Gheerbrant no seu Dicionário dos Símbolos. Tendo esta última referência como objecto de questionação, poderemos constatar que existe uma tentativa de aproximação do teor de um livro a outro?
Centremo-nos no interior das sete partes, mais concretamente nos tercetos. "Tudo é divino e trágico,/ saboreia-se o fel do verbo/ o leito do delírio, a sílaba". No terceto que inicia a obra, verificamos que o objecto de análise é a semiótica e o objecto analisado a palavra. É a partir da palavra que se constrói a antítese. É na existência da palavra que se conseguem os sentidos do poema. É com a palavra que a existência ganha tonalidades. E assim, terceto após terceto (uns de sensibilidade mais oriental – relacionando-se com a observação natural e com um sensacionismo de coloração caeiriana - e outros com uma existência mais ocidental e mais enraizada na discussão estética), o autor dá-nos uma reflexão não só poética mas também filosófica da existência e da efemeridade da palavra, através da dúvida ou da constatação da ausência de caminhos. "O poema serve de mortalha,/ ignoro de que ocultos metais/ é constituída a arte dos dedos". Tendo este terceto como elemento de significação, citemos Roman Jakobson, no seu artigo “O que fazem os poetas com as palavras”, na tentativa de abrir espaços de interpretação que possam aparentemente revelar-se intransponíveis: “Há poetas, escolas, que se orientam para as rimas gramaticais, e poetas, escolas, que visam antes as rimas agramaticais, ou, mais exactamente, antigramaticais.” Não estamos, com a frase de Jakobson, a considerar errada a gramática do terceto ou a gramática do entendimento do poema. Estamos, sim, a recordar o leitor, ainda a partir de Jakobson, de que “tudo na linguagem é, nos seus diversos níveis, significante.” Temos, pois, de procurar as ferramentas que consigam ajudar-nos a compreender toda a amplitude que um texto poético encerra na sua forma, aparentemente, mais simples.
A obra vencedora da 1.ª edição do Prémio Manuel António Pina é de difícil caracterização ou inserção numa qualquer corrente literária que nos tenha precedido ou que exista actualmente. Poderemos ser tentados a chamar-lhe literatura contemporânea pela coexistência consciente de diferentes formas estéticas e de diferentes culturas. No entanto, se houvesse necessidade de a inserir numa corrente a criar ou que exista naturalmente sem necessidade de “encaixotamento”, diriamos que é uma obra que facilmente se inseriria num neossimbolismo de teor oriental, pois vive dos vários símbolos que são projectados em cada um dos tercetos e pretende uma relação do eu - leitor com o poema que propicie o equilíbrio.
Em conclusão, é uma obra que merece ser lida e relida, para que os múltiplos sentidos possam aproximar-se do entendimento. O júri deste prémio viu a potencialidade multissignificativa desta obra e a complexa teia em que ela foi urdida, dando ao poeta João Rasteiro um prémio merecido pelo intenso labor que lhe dedicou e que decidiu partilhar connosco. Não é o livro de poesia ideal, nem sei se existirá “o” livro ideal, mas é um livro obrigatório para apreciadores de poesia que gostem de ser desafiados e que esperem que a sílaba não seja apenas um elemento de uma palavra e, sim, um elemento de significação no meio do silêncio da leitura. Para além disso e como expectativa acerca do resultado final desta análise, diz Poe e nós concordamos, “um poeta, que seja de facto poeta, creio que não poderia deixar de fazer uma crítica justa.”

Famalicão da Serra, 30 de Setembro de 2011
Daniel António Neto Rocha

(In: Revista Praça Velha n.º 30. – Guarda: NAC/ CMG, Dezembro de 2011. – p. 293 a 298.)

Pensalamentos #29


Àquela mãe que chorava no hospital

E o frio estava-te no rosto
triste e desconforme
que o teu anjo risonho
em dores te fez criar.

Choravas como se de dentro de ti
rasgassem os mais sensíveis
veios de bonança.
E a agrura do momento
desenrolava-se
lentamente...

Deus esteja contigo,
mãe triste!



P.S. - Deus queira e as nossas orações ajudem a que o filhote desta mãe possa recuperar. É só um bebé!

domingo, janeiro 15, 2012

Blogs do Ano 2011 - Votação



Caros leitores, encontra-se aberta a votação para os Blogs do Ano 2011 no blog Aventar. Caso pensem que devem votar neste vosso blog, acedam pelo link que se encontra no lado direito do blog, logo acima da foto do dono deste espaço, ou carregando na imagem deste post. Vamos ver se conseguimos uma boa votação. A categoria é "Livros/ Literatura/ Poesia". Eu agradeço!

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Pensalamentos #28


Talvez um dia as pessoas percebam que para haver uma relação de amizade têm que se comportar como se estivessem apaixonadas: aproximando-se de forma sincera; sentindo a falta umas das outras quando o tempo é cruel; e procurando no nevoeiro dos dias o olhar que sem se conhecer se reconhece. Sim, assim como uma relação amorosa sem a componente sexual.

terça-feira, janeiro 10, 2012

05. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica de “2012, Odisseia no Buraco” ou “Tudo o que você sempre quis saber sobre o orçamento d

Crónica de “2012, Odisseia no Buraco” ou “Tudo o que você sempre quis saber sobre o orçamento de estado, mas teve medo de perguntar”

1. «Bem-vindos a “2012, Odisseia no Buraco”!» Aos primeiros minutos do Novo Ano, foi com esta mensagem que brindei alguns amigos e conhecidos. Parodiava, assim, o título do fabuloso filme que, em 1968, Stanley Kubrick lançava com prenúncios de um futuro glorioso – o mítico “2001: Odisseia no Espaço”. Neste filme, encontramos uma história sobre a evolução que coloca em confronto o homem e a tecnologia. O resto é imaginação, fantásticas imagens e uma tentativa de prever o que alguns anos mais tarde poderia acontecer. O facto é que em 1968 poderíamos imaginar que o ano 2001 fosse grandioso, até porque a “guerra pelo espaço” estava no seu auge e dadas todas as evoluções científicas e tecnológicas que num curto espaço de tempo surgiram. O certo é que nem tudo correu como previsto e o futuro que Kubrick anteviu para 2001 não é o futuro que realmente se viveu. Ora, a minha mensagem de bom ano, penso que, irónica, poderia também ser vista como uma provocante antevisão do ano de 2012. (...)


Guarda, 9 de Janeiro de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Excerto da Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, do dia 10 de Janeiro de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

sábado, janeiro 07, 2012

Blogs do Ano 2011



Segui o que o meu caro André Benjamim sugeriu no seu blogue Ainda que os Amantes se Percam... e também inscrevi este O Tempo das Silenciosas Discussões no concurso Blogs do Ano 2011. A ambição é só procurar novos leitores, assim os haja. O meu blog está incluído na categoria: Livros / Literatura / Poesia.

As votações iniciam-se no dia 15 de Janeiro de 2012. Caso queiram votar neste blogue, é só entrarem a partir dessa data no link que será disponibilizado no lado direito do ecrã, junto ao meu perfil.

terça-feira, janeiro 03, 2012

Balancei no "Café Mondego"

Hoje fui ao Café Mondego "balançar" o ano que passou. Leia aqui.

Pensalamentos #27


Mas o medo atravessa-me os ossos
com seus laivos de arrepio.
Lá no centro patético das ondas,
onde o encontro, mostra-me um sorriso
amarelo.

domingo, janeiro 01, 2012

O ano do Coelho: bem-vindos a 2012

Bem-vindos a "2012, Odisseia no buraco"!

Boa sorte, é o meu desejo para quem decidiu (à última da hora) dar a curva para o novo ano!