Mãe, querida Mãe,
Escrevo-te com a certeza de que me não lerás, pelo menos até
te terem chamado a atenção para este algo que sabes que por vezes acontece.
Sim, Mãe, escrevo-te, como tantos outros poderiam escrever
às suas próprias mães.
Sim, Mãe, escrevo-te na minha pele de bombeiro, naquela pele
que tantas e tantas vezes desejaste que não tivéssemos conhecido nunca.
Sim, Mãe, escrevo-te mais cedo do que é normal, pois o fumo
ainda não está continuamente no ar e as televisões ainda descansam ao som de
alegres festas populares.
Enfim, Mãe, apeteceu-me escrever-te, do meio destes tempos
negros e ingratos que a vida por vezes me traz, para te dizer que SIM. Sim,
Mãe, eu olho para trás e, sim, escondo-me todo para enganar a tua preocupação.
Cada vez que saio a correr, com a humanidade a encher-me os
olhos, espreito sobre o ombro e vejo-te, quase ausente do mundo, a respirar a
descompasso. Vejo-te e os teus olhos estão cheios de rápidas melhoras e de
terríveis pensamentos. Espreito-te e os teus olhos dizem que não vá, que não
ouse desafiar as leis da física, as probabilidades e a própria vida.
Com aquele mover de olhos intenso e preocupado, que o tempo
amadureceu depressa demais, perguntas onde falhaste ao avisar-me dos perigos e
culpas-te pelas escolhas que fiz. Não, Mãe, não falhaste em nada. Não, Mãe, não
tens culpa de nada. Não, Mãe, o teu exemplo dá esperança ao mundo e os dias
fazem sentido porque tu lhe dás continuamente corda.
Mãe, eu olho para trás e penso em ti. Não há passo que dê
que não esteja aquele teu olhar ao meu lado, recomendando calma ou dando força.
Quando tudo parece estar perdido, ali estás tu a aguentar-me inteiro e íntegro
no estender de mão ao meu semelhante. Ali estás tu a ver-me correr e a pensar
que não olho para trás, que não penso em ti, que nada mais interessa do que os
outros, …
Quando o nosso Verão recomeçar, com o abraço entre gente
simples a percorrer o asfalto, enquanto nas televisões se dá voz aos gritos de
dor e de revolta, lembra-te que eu olho sempre para trás… para o sítio onde
deixo o coração.
Até breve, Mãe!
Daniel António Neto Rocha
Moimenta da Serra, 17 de Março de 2017