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quinta-feira, abril 17, 2014

Gabriel García Márquez: tanto que ficou por escrever


Em 2002, ano em que me divertia noite dentro com livros, Gabriel García Márquez lançava "Viver para contá-la" a então primeira parte daquilo que se pensava vir a ser uma autobiografia em dois volumes. "Devorei" aquele pequeno tesouro em dois ou três dias e esperava ansiosamente a sua continuação. Com o passar do tempo e com as más notícias que a saúde de García Márquez gritava, comecei a temer não vir a conhecer essa segunda parte. Hoje a pior notícia chegou! 
Claro que já algo naquele homem estava silenciado, fazendo lembrar o início do seu primeiro conto publicado, "A terceira resignação": "Ali estava outra vez o ruído. Aquele ruído frio, cortante, vertical, que tão bem conhecia já, mas que agora se lhe apresentava agudo e doloroso, como se de um dia para o outro se tivesse desabituado dele." E é este silêncio, tão pleno de palavras, que hoje ganha vida com a morte de um García Márquez que eu, na minha leitura, aprendi como simples e tremendamente vivo!
Até sempre, Mestre Márquez! 


sexta-feira, setembro 02, 2011

Li: Olhos de Cão Azul, de Gabriel García Márquez



Resignamo-nos? Não! Lêmos a terceira.


Em pleno século XX, durante um período de convulsões sociais e políticas (onde se constroem ditaduras ao mesmo tempo que se calcorreiam caminhos de libertação utópica), que percorrem o mundo, amadurece um talento de extensão mundial que se revelará em 1947.
Gabriel García Márquez não é um escritor de biografia agradável ao leitor que procura um ser puro, limpo de má vida ou um Deus feito homem. Quem percorrer a sua autobiografia (Viver para Contá-la) depressa se apercebe que a transgressão e a marginalidade à vida são pratos fortes deste autor. Fará esta vida boémia e por vezes degradante que o autor se apague? Não, não , não e, outra vez, não! Tal como o calor da América Latina sugere aos corpos uma roupa leve a roçar a nudez, também este escritor sugere aos seus leitores o despojamento de alguns utensílios morais e de preconceitos que tornam, por vezes, a leitura de uma obra literária num jogo do esconde e encontra. Ou seja, ler é um exercício que por vezes é doloroso e exige a dádiva (obrigatória!) de sangue, suor e lágrimas, e doutras vezes transforma-se num exercício de sugestão erótica e sensual. Podemos apaixonar-nos por uma personagem de um conto, novela, romance ou de um qualquer texto literário? Podemos e devemos. García Márquez dá-nos essa possibilidade em toda a sua obra.
"A terceira resignação" (1947) é um conto da juventude. Depois de ter abandonado o seu projecto inicial e mítico (já!), "A revoada", sente que é tempo de começar por baixo. Melhor dizendo, é tempo de percorrer um trajecto de construção desde a base, é tempo de assumir as suas falhas e educar-se na escrita. Daqui nasce a ligação ao jornalismo e ao primeiro espaço de publicação da sua obra e, digamo-lo, à vida desregrada com classe. Com a publicação deste conto, García Márquez, cria uma corrente de escrita apelidada de realismo mágico. Creio que com a leitura deste conto nos apercebemos claramente do estilo. Onde já se viu um morto ganhar o papel de personagem principal? Onde já se viu a existência viva de um morto? Onde já se encontrou uma mãe que todos os dias (durante 18 anos!) mede o seu filho de forma a constatar que se encontra vivo apesar de morto?
Fabulosa leitura e uma viagem incrível até um universo que vive sobretudo dos conceitos de estranheza e de amor materno.
Boas leituras e boas descobertas!