quarta-feira, novembro 27, 2024

Elogio à Guarda - Daniel Rocha (27/11/2024)


 

Dispamo-nos de todos os artifícios, de todos os símbolos de realeza que nos são emprestados e que levamos para os momentos de contacto com os outros.

Dispamo-nos, enfim, dos mantos que teimamos em vestir perante os que connosco vivem nesta cidade e neste concelho da Guarda.

 

Ex.mos Senhores e Senhoras Guardenses,

Ex.mas Senhoras Convidadas,

Ex.mos Senhores Convidados,

 

Coube-me a honra, penso, penso-o sempre, pouco merecida, de poder em breves minutos trazer-vos aquilo que é um Elogio à Guarda e que possa mostrar o que são os sentimentos que desde tenra idade, desde que nasci, vivi e brinquei junto à Capela de São Pedro, me unem e me obrigam a olhar para esta cidade e para este concelho como o centro magnético da minha existência.

Desta caminhada paralela entre cidade e homem, não existirão, de facto, sete partidas, sete distanciações, mas algumas foram, e plenas de vontade de regressar e de conseguir dar, a todos os que aqui vivem, aquilo que penso que a minha geração tem de melhor: uma vontade férrea em afirmar a Guarda como exemplo de bem fazer, de bem construir e de bem pensar.

Perguntar-me-ão, com certeza, o que é que esta cidade e este concelho contêm para nós? O que é que o pouco, o pouco que aqui existe, contém para que nós, jovens, mas cada vez menos jovens na idade, possamos ter ainda este fascínio pela nossa terra e pela vontade em aqui lançar amarras e daqui encenar um futuro. E a resposta não se afigura fácil a quem olhar apenas para o seu umbigo.

Responderei, portanto, com honestidade e transparência, talvez sendo mal interpretado por alguns, mas sabendo que a reflexão nos poderá ajudar a todos a compreender o que está nestas minhas palavras e o que vejo de cada vez que subo à Torre de Menagem.

Eu sinto, há muito tempo, que os pequenos reis da Guarda, os que recusam retirar a coroa e despir o manto que em tempos lhes foram concedidos para um breve serviço à cidade, para uma breve representação democrática ou de outro teor, sinto que eles não gostam, sublinho, sinto que esses pequenos reis não gostam dos jovens, e dos menos jovens, que teimosamente querem caminhar a partir da Guarda.

Sinto, há muito tempo, que o esforço dos que teimam em tentar mudar a mentalidade fria e pouco partilhada que ainda é regra na Guarda, acaba sempre por chocar com os usos e costumes que algumas cortes guardenses impõem e alimentam.

O que é que este sentimento provoca nos que querem, mas não podem?

Confesso-vos, a todos, que provoca a vontade de parar, a vontade de desistir e de tentar a sorte noutros palcos.

Quero acreditar que todos, os que hoje me ouvem e os que me hão-de ler, todos compreendem que a dura realidade que enfrentamos, os muros que se erguem, são factores que deverão deixar de existir a bem da Guarda e do seu futuro.

 

Mas o que fazemos todos para que outra realidade surja? O que fazemos?

 

E é aqui que o Elogio à Guarda, o qual duvidavam já poder existir nas minhas palavras, ganha espaço e se transforma em imagens.

E é aqui que a Guarda, dos 825 anos que hoje celebramos, deve servir de exemplo a todos.

E é aqui, a Guarda, o meu exemplo maior.

825 anos, fora aqueles em que do granito nos fomos talhando, em que no frio nos fomos forjando, em que na fome e na guerra aprendemos que qualquer barreira serve apenas para fortalecer os músculos e para voltarmos a arar os campos, a construir a casa mãe e a caminhar rumo ao futuro, inventando estradas, teimosamente, com as pedras que encontramos no caminho.

A Guarda, contam-nos as lendas, foi desde os primeiros tempos guardiã da segurança do reino, exemplo grandioso de tenacidade e de constância.

A Guarda, contam-me as ruas, deixou no ADN dos seus cidadãos, dos anónimos que não usam coroas nem exibem mantos vistosos, a vontade de persistir e de, orgulhosamente, dizer que aqui estão, filhos da rocha-mãe, e que aqui hão-de deixar aos que “hão-de vir” o exemplo maior do que é amar a cidade real, o concelho real, o berço dos nossos avós mas também dos nossos netos.

Não me alongo mais, mas agradeço.

Agradeço à Guarda.

A todos os povoadores desta nossa cidade agradeço tudo o que fizeram e fazem, e as lágrimas que soltaram e soltam para que hoje, 825 anos depois de D. Sancho I lhe ter ditado um destino, ela continue Forte na sobrevivência e no exemplo maior de persistência apesar de tudo e de todos os que lhe ditaram uma morte sempre anunciada.

A todos os que hoje me ouvem e a todos os que no futuro me lerão, deixo o desejo de que se possam entregar à cidade e ao concelho com o mesmo espírito daqueles que a levantaram das rochas rudes: tratem desta nossa Guarda como se cuida de um filho, mas acima de tudo com o amor e com o carinho que a fará crescer sempre com a alegria e a consciência das suas raízes.

Acredito e sonho que é neste dar que começará o receber.

 

Bem-haja a todos pela vossa atenção!          

 

 

Guarda, 27 de novembro de 2024

Daniel António Neto Rocha

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