Dispamo-nos de todos os artifícios, de todos os símbolos de
realeza que nos são emprestados e que levamos para os momentos de contacto com
os outros.
Dispamo-nos, enfim, dos mantos que teimamos em vestir perante
os que connosco vivem nesta cidade e neste concelho da Guarda.
Ex.mos Senhores e Senhoras Guardenses,
Ex.mas Senhoras Convidadas,
Ex.mos Senhores Convidados,
Coube-me a honra, penso, penso-o sempre, pouco merecida, de
poder em breves minutos trazer-vos aquilo que é um Elogio à Guarda e que possa
mostrar o que são os sentimentos que desde tenra idade, desde que nasci, vivi e
brinquei junto à Capela de São Pedro, me unem e me obrigam a olhar para esta
cidade e para este concelho como o centro magnético da minha existência.
Desta caminhada paralela entre cidade e homem, não existirão,
de facto, sete partidas, sete distanciações, mas algumas foram, e plenas de
vontade de regressar e de conseguir dar, a todos os que aqui vivem, aquilo que
penso que a minha geração tem de melhor: uma vontade férrea em afirmar a Guarda
como exemplo de bem fazer, de bem construir e de bem pensar.
Perguntar-me-ão, com certeza, o que é que esta cidade e este
concelho contêm para nós? O que é que o pouco, o pouco que aqui existe, contém para
que nós, jovens, mas cada vez menos jovens na idade, possamos ter ainda este
fascínio pela nossa terra e pela vontade em aqui lançar amarras e daqui encenar
um futuro. E a resposta não se afigura fácil a quem olhar apenas para o seu
umbigo.
Responderei, portanto, com honestidade e transparência,
talvez sendo mal interpretado por alguns, mas sabendo que a reflexão nos poderá
ajudar a todos a compreender o que está nestas minhas palavras e o que vejo de
cada vez que subo à Torre de Menagem.
Eu sinto, há muito tempo, que os pequenos reis da Guarda, os
que recusam retirar a coroa e despir o manto que em tempos lhes foram concedidos
para um breve serviço à cidade, para uma breve representação democrática ou de
outro teor, sinto que eles não gostam, sublinho, sinto que esses pequenos reis não
gostam dos jovens, e dos menos jovens, que teimosamente querem caminhar a
partir da Guarda.
Sinto, há muito tempo, que o esforço dos que teimam em tentar
mudar a mentalidade fria e pouco partilhada que ainda é regra na Guarda, acaba
sempre por chocar com os usos e costumes que algumas cortes guardenses impõem e
alimentam.
O que é que este sentimento provoca nos que querem, mas não
podem?
Confesso-vos, a todos, que provoca a vontade de parar, a
vontade de desistir e de tentar a sorte noutros palcos.
Quero acreditar que todos, os que hoje me ouvem e os que me
hão-de ler, todos compreendem que a dura realidade que enfrentamos, os muros
que se erguem, são factores que deverão deixar de existir a bem da Guarda e do
seu futuro.
Mas o que fazemos todos para que outra realidade surja? O que
fazemos?
E é aqui que o Elogio à Guarda, o qual duvidavam já poder
existir nas minhas palavras, ganha espaço e se transforma em imagens.
E é aqui que a Guarda, dos 825 anos que hoje celebramos, deve
servir de exemplo a todos.
E é aqui, a Guarda, o meu exemplo maior.
825 anos, fora aqueles em que do granito nos fomos talhando,
em que no frio nos fomos forjando, em que na fome e na guerra aprendemos que
qualquer barreira serve apenas para fortalecer os músculos e para voltarmos a
arar os campos, a construir a casa mãe e a caminhar rumo ao futuro, inventando
estradas, teimosamente, com as pedras que encontramos no caminho.
A Guarda, contam-nos as lendas, foi desde os primeiros tempos
guardiã da segurança do reino, exemplo grandioso de tenacidade e de constância.
A Guarda, contam-me as ruas, deixou no ADN dos seus cidadãos,
dos anónimos que não usam coroas nem exibem mantos vistosos, a vontade de
persistir e de, orgulhosamente, dizer que aqui estão, filhos da rocha-mãe, e
que aqui hão-de deixar aos que “hão-de vir” o exemplo maior do que é amar a
cidade real, o concelho real, o berço dos nossos avós mas também dos nossos
netos.
Não me alongo mais, mas agradeço.
Agradeço à Guarda.
A todos os povoadores desta nossa cidade agradeço tudo o que
fizeram e fazem, e as lágrimas que soltaram e soltam para que hoje, 825 anos
depois de D. Sancho I lhe ter ditado um destino, ela continue Forte na
sobrevivência e no exemplo maior de persistência apesar de tudo e de todos os
que lhe ditaram uma morte sempre anunciada.
A todos os que hoje me ouvem e a todos os que no futuro me
lerão, deixo o desejo de que se possam entregar à cidade e ao concelho com o
mesmo espírito daqueles que a levantaram das rochas rudes: tratem desta nossa
Guarda como se cuida de um filho, mas acima de tudo com o amor e com o carinho
que a fará crescer sempre com a alegria e a consciência das suas raízes.
Acredito e sonho que é neste dar que começará o receber.
Bem-haja a todos pela vossa atenção!
Guarda, 27 de novembro de 2024
Daniel António Neto Rocha
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