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terça-feira, setembro 22, 2020

Em Homenagem: Eng. Maia e Professor Pires

 

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas… pelo vento;
De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

 

 

 

Comecei por ler um poema de Miguel Torga que, espero, possa ser a porta de entrada para o entendimento de todas as outras palavras que se seguem.

Coube-me, hoje, a responsabilidade de, nesta tarde de tempos inquietos, lembrar e partilhar convosco um pouco da vida e gestos de duas pedras basilares do Instituto de Gouveia que este ano partiram, como todos sabemos, em circunstâncias difíceis de entender. Difíceis de entender porque a vida nos tem habituado a que a longevidade seja uma realidade e também porque nada nem ninguém nos prepara para a partida de amigos que nos fazem bem. E estes que nos partiram, meus caros, eram pessoas de bem e que nos faziam bem. E digo “partiram” no sentido múltiplo da palavra, que implica afastamento mas também desagregação ou destruição. De uma forma mais simples, todos sentimos, desde a dupla partida, a dor e uma sensação de desajuste que o tempo, dizem, tratará de aligeirar.

Tinham, estes que lembramos, defeitos? Certamente teriam. Tinham momentos menos bons? De certeza que sim. Mas tinham, acima de tudo, uma presença que a todos agradava e que a todos completava. Falo, obviamente, e digo-o como eu os chamava, do Engenheiro Maia e do Pires. Desculpem-me esta fuga para um discurso mais informal, eventualmente menos laudatório, mas os dois homens que eu conheci tinham os pés na terra e era dela que se erguiam, tal como a “videira” de que falava Torga.

Espíritos inquietos, digo eu, que se mostravam através do gosto pelas artes e pela cultura, como sempre, e bem!, fizeram questão de vincar, seja através da ligação às direções de várias associações culturais do concelho, seja através da dedicação pessoal e cuidadosa à prática e cultivo dessa mesma veia criativa. No caso do Pires através do gesto fino e certeiro com que nasciam desenhos, pinturas ou uma ou outra personagem em momentos teatrais. No caso do Engenheiro Maia através do gesto amplo e paternal com que desafiava, acolhia, regava e encorajava as ideias que, muitas vezes, tantos de nós lhe propúnhamos. Poderíamos pensar que (e nos dias de hoje seria o mais óbvio!) o gesto fino e o gesto amplo entrariam em conflito. E talvez, por vezes, as ideias não fossem completamente comuns. Mas os homens que conheci e que comigo, e com todos nós, partilharam momentos, tinham o dom da palavra. E digo palavra porque o ponto de encontro entre todos é, e deve continuar a ser, o da partilha da palavra. O diálogo que é como a imagem “da mãe a fazer a trança à filha”: admirável e digno de atenção.

Felizmente todos tivemos a oportunidade de partilhar a palavra com eles. Seja no gabinete da Direção, onde ao final do dia, tantas vezes, se constituía uma “mesa redonda” de troca de opiniões, de preocupações, mas também de desejos e de ambições. Tudo sempre regado com uma boa dose de humor, e de fina ironia, que espicaçava os sorrisos e nos dava a exacta dimensão dos dias.

Caros amigos, do Pires conhecemos o caminhar, desde tenra idade, desde África até Gouveia e por aqui marcar um espaço ímpar. Do Engenheiro Maia conhecemos a sua ligação à terra, desde criança, nas difíceis caminhadas pelos montes, mas também na busca incessante por melhor servir, por saber mais sobre esta mesma terra e por descobrir novos caminhos para ela.

Os dois souberam, tal como o pai que ergue a videira, abraçar a missão de erguer mais e mais o Instituto de Gouveia a cada dia que lhe dedicaram.

Hoje agradecemos nós aos dois pelos sorrisos que partilhámos juntos!



Gouveia, 19 de Setembro de 2020




(Vídeo montado pelo Filipe para o espectáculo "O Século em que a Terra Parou", apreciado por estes que em palavras se encontram)