domingo, julho 09, 2017

Crónica Bombeiros.pt: Sérgio, desculpa-me! Onze anos passaram e continuo a falhar.


Sérgio, passaram onze anos. Onze anos desde que tu partiste e onze anos em que eu prometi a mim mesmo que não permitiria que mais ninguém passasse por aquilo que nós, os que ficámos, passamos ainda hoje. Fui demasiado crente na minha pequena capacidade para mudar o mundo e acreditei que o mundo, o nosso mundo português, também quisesse mudar a bem de todos. Enganei-me! Ninguém me quer ouvir, ninguém se quer preocupar, ninguém quer resolver coisa nenhuma, ninguém abdica do seu conforto pessoal em benefício de todos, ninguém parece importar-se connosco, aqueles que ficam.

Sérgio, no ano passado, por esta altura, houve um alto representante dos bombeiros, daqueles que os formam, que disse que o que nós fazemos aqui no nosso berço, mostrando a quem quer aprender os teus últimos passos, “não adianta, não traz nada novo, está ultrapassado, pois nós [a Escola Nacional de Bombeiros] fizemos centenas de formações onde abordamos este tema”. Outro, presidente da Liga, acabou por dizer que “isto é feito por duas pessoas e não é necessário”. Estás a rir-te, não estás? Eu sei que sim. Sabes que eu continuo a ser bombeiro e, nestes onze anos, apenas ouvi falar do acidente de Famalicão da Serra em contexto de formação aqui nas nossas Jornadas? Sim, Sérgio, sei que sabes e sei que nada podes fazer para o mudar… Quem pode, não o quer fazer. E quem acaba por pagar são os mesmos, os que não têm voz (mas têm braços, e cansaço, e determinação, e vontade de ajudar, e família).

Sérgio, desculpa-me! Falhei! Onze anos falhados na procura de melhorias que impedissem o sofrimento das pessoas, de bebés… Desculpa as lágrimas, mas não suporto esta sensação de falhanço. A culpa é minha, pois não consegui resolver nada. Não consegui fazer com que as pessoas aprendessem mais e melhor, não consegui que as leis fossem cumpridas, não consegui que os nossos governantes percebessem que a sua acção ou inacção faz com que pessoas morram, não consegui nada… apenas consegui falhar.

Sérgio, onze anos… nunca me demiti desta missão de mudança, nunca desisti, nunca percebi que não havia nada a fazer nem que tudo já está feito.

Sérgio, pedi, no ano passado por esta altura, ao Secretário de Estado que não fizesse promessas, que dissesse à Ministra que não fizesse promessas, que levasse esta mensagem ao Primeiro-Ministro: “Não prometa aquilo que não pode cumprir! Preferimos que trabalhem para realizar algo, não que prometam esse mesmo algo!”. Não pedi a ninguém que se demitisse, apenas pedi mais acção e menos promessas.

Sérgio, passaram onze anos e ninguém parece querer admitir que todos nós falhámos na nossa obrigação de proteger os outros, e que só em conjunto e admitindo com humildade as nossas falhas é que podemos TODOS fazer mais e melhor.