quarta-feira, julho 09, 2014

Crónica Bombeiros.pt: É a sua honra que está em jogo, Sr. Ministro!



É uma das grandes discussões dos últimos dias, mas é também uma das exigências governativas e uma das necessidades mais visíveis nos bombeiros há, pelo menos, 8 (oito) anos. O Equipamento de Protecção Individual, vulgo EPI, era algo que só em sonhos é que eu, o meu irmão e a maior parte dos bombeiros portugueses pensávamos em vir a ter até Julho de 2006. No dia 9 de Julho de 2006, o meu irmão deixou de poder ter esse sonho e as entidades do sector fizeram uma autêntica revolução legislativa e organizativa que, por tão necessária e exigente que era, ainda hoje não está concluída. Daí para cá, aterrou equipamento a granel nos quartéis, em quantidade mas de qualidade duvidosa, que alegrou, pasmem-se, a maior parte dos bombeiros, inclusive eu. Claro está que para quem tem fome um prato de arroz é um oásis apetecível e nem sequer se discute se é suficiente ou não para aquilo que se faz. Calaram-se as vozes por uns tempos após a esmola. Já quanto ao resto… temos de assumir que começou a existir maior preocupação com o rigor e com a formação dos bombeiros, já a aplicação de qualquer um desses aspectos é algo que poderemos discutir, pois essa discussão também está aí.
Mas permitam-me regressar ao tema desta crónica, pois é o EPI que está aqui no centro da discussão. Só quando começámos a ter um ponto de comparação (com o aparecimento da FEB e do GIPS) é que notámos que eles vestiam bem e nós treta! E começámos a pedir mais qualquer coisa. Mas, e este é o país que temos, tanto o Governo como as Associações de Bombeiros se declaravam incapazes de pagar esses equipamentos. Claro que, e conheço bem a minha para o poder afirmar, quase todas as Associações “remendam e tapam” buracos, por vezes endividando-se, para conseguirem equipar todos os seus homens, optando (erradamente, diremos todos) por preferir a quantidade à qualidade. Mas, pergunto-vos eu, quem não optaria por ter todos os homens com uma percentagem grande de protecção em confronto com a possibilidade de ter metade dos homens com protecção total e a outra metade sem ela? Agora, da parte Governativa vem a pior parte. O Governo não tem verba suficiente para vestir todos os bombeiros portugueses com EPI de alta qualidade? Tem! E já o deveria ter assumido! Espero, sinceramente, que a “sorte” que tem sido madrasta para nós, que damos tanto por nada, seja este ano bem diferente. Se assim não for, espero que o senhor Ministro saiba que deverá demitir-se no primeiro momento em que algum bombeiro português sofra, durante esta época, qualquer tipo de lesão por causa de EPI que não obedeça às normas. É a sua honra que está em jogo, Sr. Ministro!
Claro que, e espero que todos se lembrem disto, não é o EPI o mais importante no combate ao incêndio. O mais importante de tudo é a vossa/ nossa capacidade de dizer não às missões suicidas!
Hoje marcam-se oito anos, em Famalicão da Serra, da morte do meu irmão e eu gostava que tudo fosse diferente daquilo que já foi até hoje.

Famalicão da Serra, 9 de Julho de 2014
Daniel António Neto Rocha

(crónica publicada no dia 9 de Julho de 2014 no Portal Bombeiros.pt)

terça-feira, julho 08, 2014

Pensalamentos #254 - morto

encontrado vivo
enovelado
de respiração cortante
apagada
enquanto vivia no outro
encerrou-se

eremita
no suspiro do nada

Pensalamentos #253 - epitáfio 5

Epitáfio 5

nem um passo a mais
nem um passo ao lado
nem um dia livre
nem um dia frio
nem um mais um
nem um frio dia
nem um lado
nem um livre zero
nem um nenhum
nem um nada
nem nada

sábado, julho 05, 2014

Não estamos sós... e ainda bem!

(Foto de Rui Valongo)

Há dias em que nos esquecemos de que para tudo o que fazemos é preciso uma mãozinha que nos segure, seja essa mão física ou psicológica. Por isso, neste sempre complexo mês de Julho, quero agradecer a quem nunca se esqueceu de me/ nos dar um pouco do seu tempo para ser porto de abrigo ou ponto de confissão. Como é óbvio, isto é um recado para amigos, mais novos e mais velhos, e para a família, que é incansável no aturar e no patrocinar (sempre psicologicamente e por vezes fisicamente) dos desvarios múltiplos.

quinta-feira, julho 03, 2014

Recensão crítica à peça "A Casa da Memória", por José Monteiro









[“A casa da memória”, Daniel Rocha
Edição: Grupo de Amigos do Manigoto
Manigoto, 2013]

“Regresso devagar ao teu
 sorriso como quem volta a casa.”
(Manuel Antº Pina)

      A casa da memória não será também a memória de uma casa? Quem diz casa, diz lar, diz aldeia, diz imaginário. Diz lenda, escreve passado, traduz mitos. Pensa caminho, rota, transumância. A vereda estreita da memória atravessa gerações e paramos no Manigoto, aldeia fria de clima quente de peripécias; podemos também dizer fria de sentimentos sociais, quente de sentimentos amorosos.
     Assim preparados entramos na casa do imaginário da aldeia – o “Imaginário” dar-lhe-á voz e cor – no ambiente típico da intriga comunitária onde não falta a figura tradicional do prior (bonacheirão, alegre, … interesseiro) e da comadre vicentina (esta não é casamenteira, mas prefere “casar” ela mesma). Pois, o padre Fragoso faz-nos regressar à infância, aos tempos em que o prior era (ou devia ser) a figura pacificadora da vida da aldeia, aquele que mediava conflitos, orientava vocações, … Este padre Fragoso “pega” no jovem António e orienta-o para o seminário não porque ache que tenha vocação sacerdotal, mas para ver se lhe orienta a educação que os pais parecem não conseguir dar-lhe. Ora este António é o rebelde da aldeia que passa a vida a fazer tropelias, a pregar partidas não só à Ti Patrocínia, mas até às colegas de escola que fecha no galinheiro e ainda ao padre Fragoso a quem fecha um burro selvagem no campanário da igreja. Já vemos que nem o sagrado escapa às suas traquinices. Ora este António aparece-nos depois já padre a tomar posse da freguesia, entronizado pelo bispo e rodeado da aldeia. Porém, entre as paroquianas está Maria, a companheira de infância e de brincadeiras, que lhe desperta a paixão antiga e que revela que afinal tinha sido empurrado para aquela vocação de padre que, afinal, não tinha. E, assim, num terceiro momento, vemo-lo a ir a Roma pedir ao Papa a anulação dos votos para casar com a sua amada. Mas a viagem é longa e as peripécias sucedem-se na intriga dramática da ação e tem de ir à Índia em missão. Daí regressa passado um ano precisamente seis meses antes do casamento programado da sua amada com um homem viúvo do Barregão. Voltamos então ao imaginário do Manigoto e encontramos o António no Poço da Risca recolhido/escondido sem saber o que fazer à vida até que lhe “cai no poço” o seu irmão Artur que lhe diz que afinal a sua amada continua a pensar nele e a amá-lo e que, se saírem de lá, ainda vai a tempo de impedir o casamento. Acontece deste modo a recuperação da verdade dramática e lá se realiza o casamento desejado.
    Esta, resumidamente, a vis dramática da peça que o autor soube entretecer de maneira hábil perdendo-se às vezes uma certa unidade sequencial necessária, mas difícil de fazer de outra maneira já que a tarefa de misturar o verosímil com o imaginário popular do Manigoto foi decerto tarefa ingente. De salientar a conseguida viagem ao passado e a recuperação de memórias da aldeia com o esforço, referido na introdução, de ir ao local e ouvir da boca dos habitantes aquilo que é distintivo desse passado comunitário. O autor reconhece na introdução a possível traição à memória recuperada da aldeia, mas porque a literariedade não se compadece com a verdade nua e crua. (Mexer com a memória coletiva de um povo é um ato de traição constante à fidelidade dos factos. – p.7). E como nessa memória às vezes o material fala mais que as pessoas o autor reconhece que tentou ouvir as pedras as ruas e as casas abandonadas da aldeia. (Antes de ouvir as pessoas, ouviram-se as pedras. E foi daqui que tudo nasceu! A casa tem o seu lugar central em toda a peça, não fosse ela a guardiã da memória – p.8).
     Temos deste modo um peça em que se faz uma viagem ao passado presentificando muito do imaginário de um povo que neste caso é o Manigoto, mas que poderia ser qualquer aldeia perdida desta beira-serra. E se o texto e a vida são circulares regresso à questão inicial:  A casa da memória não será também a memória de uma casa?

José Monteiro


(recensão crítica publicada In: Revista Praça Velha n.º 33. – Guarda: NAC/ CMG, Julho de 2013.)


quarta-feira, julho 02, 2014

Recensão crítica ao opúsculo "O convento", por Honorato Esteves









“O Convento”, de Daniel António Neto Rocha

O Convento do Senhor Bom Jesus, ou Convento do Mato Grosso, é indissociável do imaginário de Famalicão. Não será de estranhar, pois, que o imaginário de Daniel Rocha, mais do que a atração do labirinto de silvas, muros, portas e postigos, a que hoje se reduz a parte (des)habitada do Convento, tenha sentido o fascínio da lenda sobre a sua origem e a sua ligação à imagem do Senhor Bom Jesus – objeto continuado da veneração das gentes de Famalicão e arredores.
A história prende a imaginação e a curiosidade do amigo leitor, num tom agradável, entre a crónica e a novela exemplar. Como diria Garrett, conta-se em duas palavras e romanceia uma estória mil vezes passada de boca em boca, à qual o tempo já somou tantos pontos quantos os contadores:
Uma jovem pastora, Madalena, encontra uma pequena imagem de Cristo crucificado, que, fascinada, leva para casa e mostra aos pais. A seguir, vem o facto extraordinário: nos dias que se seguem, perante o pasmo e a excitação cautelosa da família, a misteriosa imagem teima em desaparecer da casa da pastora, para reaparecer no ermo onde pela primeira vez fora encontrada… Pelo meio, a evocação da aldeia de Famalicão nos primeiros anos do século XVI – a pobreza, a religiosidade, os medos do povo e até uma tragédia, absurda e anacrónica como as tragédias de hoje.
Na verdade, O Convento reinventa a velha lenda oral, afastando-se deliberadamente da sua versão mais comum: A pastora, que era anónima e de Valhelhas, vive agora em Famalicão e chama-se Madalena (pretexto para introduzir no enredo a memória das ruínas que já foram a pitoresca capela de Santa Maria Madalena); O frade descrente que – reza a tradição – picou a sagrada imagem e padeceu horríveis maleitas por isso, dá lugar à figura humanista e esclarecida do bom Padre João; Quanto a D. Rodrigo de Castro, senhor de Valhelhas, não mais que uma referência lacónica…
O autor evitou, pois, a tentação de parafrasear a tradição ou de ”fazer crónica” para memória futura. Em boa hora, diga-se: importará a verdade para o caso? Que verdade há nas lendas, para além dos lugares e das pedras – mesmo que o povo acredite?
«A verdade é mais estranha do que a ficção», dizia Jim Morrison. Forjada na rivalidade secular entre Famalicão e Valhelhas, a velha lenda surge matizada de fé – mas também de uma beleza triste e efémera, na evocação do destino da família anónima que se extingue, entre os absurdos da vida e os insondáveis desígnios do Senhor.
Quanto ao convento, que as pedras contem a história…

Honorato Esteves


(recensão crítica publicada In: Revista Praça Velha n.º 34. – Guarda: NAC/ CMG, Maio de 2014.)


"O convento" está esgotado






O meu mais recente "opúsculo" está esgotado! Já há algum tempo que esta 1.ª (e única?) edição deste livrinho ameaçava que isso acontecesse e, agora, o último exemplar que estava à venda (em Famalicão) foi levado em boa companhia no fim-de-semana passado. Espero que os 100 exemplares e respectivos leitores se tenham encontrado num momento de prazer da leitura e que a obra não tenha desmerecido a atenção.
Para marcar este facto, partilho hoje (noutro post) a recensão crítica que "O convento" mereceu por parte de Honorato Esteves, professor e profundo conhecedor cultura famalicense, na Revista Praça Velha n.º 34.

terça-feira, julho 01, 2014

Pensalamentos #251 - apagador

pegar
com amarras de ferro
no amanhã que há-de ser

e esquecer
como água que corre lentamente
os dias e as horas de alegre aparência
marcadas a sorrisos
e a promessas dúbias

segunda-feira, junho 30, 2014

Pensalamentos #250 - estrela cadente

de quando em vez
no centro do mundo
uma estrela 
cadente
em imensidão aparente
surge 
desaparece
lembra
e
dói 

segunda-feira, junho 23, 2014

Sábado, o "Teatro do Imaginário" no Juízo




Fim da Visita com todo o elenco de actores - Foto do Município de Pinhel


As Casas do Juízo - Turismo de Aldeia, um espaço belíssimo e com responsáveis de mente aberta e inovadora, quiseram pautar-se pela diferença e pela originalidade na promoção da aldeia e conseguiram-no. Obrigaram-nos, porém, a uma corrida desenfreada contra o tempo de forma a que tudo fosse perfeito. E esteve muito perto dessa perfeição (que nunca se atinge). 
No Sábado, foi um gosto imenso poder estar em "palco" com onze amigos, entre actores e músico, que trabalharam bem, se divertiram e que divertiram as largas dezenas de pessoas que encheram (e dificultaram, Ufa!) as ruas para esta encenação bem diferente. Foram quase duas semanas de um trabalho intensivo e só possível com o empenho profissional de todos.
O Teatro do Imaginário, do Grupo de Amigos do Manigoto (GAM), está, pois, de parabéns pela excelente resposta que deu, provando que "outros" voos são possíveis.

Para mim, foi um prazer imenso trabalhar com gente empenhada e que, perante a exigência máxima, esteve sempre disponível com o sorriso nos lábios. Assim é bom trabalhar e correr mundo! 

Pena só a ausência do meu filhote (o meu companheiro de ensaios em casa) devido a doença, obrigando (claro está!) a minha esposa - que também acompanhou (quantas vezes forçada) a minha ladainha - a não poder estar presente. Mas estiveram ali comigo em pensamento, ajudando-me a "ganhar as Alvíssaras"!


Visita Encenada ao Juízo - Foto do Município de Pinhel

Visita Encenada ao Juízo - Foto do Município de Pinhel

sexta-feira, junho 20, 2014

Famalicão da Serra: Dia de... continuar a trabalhar!



Há, certamente, vidas mais fáceis do que outras e no nosso caso, dos Bombeiros Voluntários de Famalicão da Serra, o caminho tem sido mais difícil do que o dos outros. Não vou hoje fazer qualquer tipo de historial sobre a nossa origem e crescimento, pois teria de avaliar e olhar para um imenso e complexo conjunto de factores, mas quero deixar três marcas que quanto a mim marcaram aquilo que somos hoje: a união que permitiu criar, no final dos idos anos 90, uma secção de bombeiros; o infortúnio que nos levou o Sérgio; e, aqui há dois passos, a partida, fora de tempo, do Francisco. E, quem conhece como eu a história e os momentos pelos quais temos passado, sabe que tantos e tantos momentos nos marcam como jovem corporação de bombeiros (quem sabe um destes dias não a possamos contar e avaliar em local próprio). 
Hoje, o Hugo ocupará um lugar que ninguém gostaria que ele assumisse tão cedo, e esta é uma verdade que todos os que o rodeiam sabem que é também o pensamento dele. Mas, como penso que é aceite por todos, o Hugo tem sido aquele que tem crescido e procurando melhorar-se a ele próprio para também nos ajudar a nós a melhorar. Por isso, o Hugo aceita de consciência tranquila a passagem de testemunho que a vida obrigou a que fosse rápida demais. E prova, com um espírito abnegado, que a missão a que se propôs quando pela primeira vez envergou a farda de bombeiro é uma missão que merece ser continuada apesar das contrariedades que também ela apresenta. 
Não é fácil (penso que todos sabemos isso) continuar, mas, como ficou provado em 2006, não é fugindo às responsabilidades e dificuldades que conseguimos proteger-nos. Os medos enfrentam-se com medo, mas enfrentam-se! As dificuldades enfrentam-se com dificuldade, mas enfrentam-se! E no meio de tudo isto, que por vezes colocamos nas costas e nas mãos de quem nos representa no mais alto posto, esquecemos que todas as contrariedades se enfrentam com a união de esforços e de vontades. É por isso que mais do que lembrar hoje o Francisco e o Sérgio, nossos exemplos maiores de esforço e de dádiva aos outros, devemos continuar a ser unidos, pois como os dois que partiram merecem todos os nossos esforços, também nós, que carregamos uns no corpo e todos na mente as cicatrizes do nosso passado, merecemos que a nossa entrega e a nossa dádiva não seja em vão.
Por tudo isto e mais, hoje é dia de continuar o trabalho! Hoje é dia de sermos, mais uma vez, o exemplo maior daquilo que ninguém nunca nos acusará de não ter: corajosos e homens de missão! Sabemos todos que nada disto será fácil, mas, se fosse fácil, não era para nós!
O meu desejo hoje é que o futuro que hoje continua seja um futuro mais simpático para nós e que o trabalho que hoje continua possa ser alicerçado em todos nós.
Bom trabalho, Hugo! Bom trabalho, a todos nós!