terça-feira, junho 26, 2012

17. Crónica Diária na Rádio Altitude (3.ª temporada) – Crónica das palavras ou da retórica demagógica (*)

1. “Quando a pátria que temos não a temos/ Perdida por silêncio e por renúncia/ Até a voz do mar se torna exílio/ E a luz que nos rodeia é como grades”, assim escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen em 1962 no seu Livro Sexto. O poema chama-se “Exílio” e dá-nos a entender que a palavra e a participação pública são essenciais para a manutenção de uma saudável pressão democrática sobre os usurpadores do poder, que tantas vezes aprisionam as vozes do povo e as levam a um suicídio participativo. Quero com isto responder a ou esclarecer todos aqueles que levam e que são levados a pensar que as palavras são inacção, ou melhor, que demasiadas palavras servem, unicamente, para forrar as ruas ou as paredes não servindo para mais do que isso. Alguns, armados da aparente delicadeza e de uma ufana retórica parcial, parecem esquecer que o “verbo” é acção, tanto para a teoria da criação divina, como para o desenvolvimento semântico, logo gramatical, da frase. Claro que, sendo livre e despretensiosa (tal como o ar que respiramos), a palavra pode ser um enfeite ou uma ilusão se usada para encher o ar de coisa nenhuma ou para propalar os feitos encantatórios de quem a quiser usar de forma enganadora e, puramente, política. Porém, quem faz reflexões sobre a palavra deve saber distinguir aquilo que é a função nobre deste símbolo da liberdade de todas as outras utilizações pretensiosas, pois, e num registo extremamente metafórico, não é a faca que mata mas, sim, a mão que a segura. Esclareçamos. A arte política de enganar e de não executar o que prometeu não se deve à inacção da palavra, mas, sim, à falta de honra dos homens! As promessas eleitorais são feitas pela língua, tantas vezes, viperinas dos homens, sendo a palavra apenas um “objecto” transmissor! Os sofismas, de que tantos conceituados oradores são portadores, são habilidades dos homens e não das palavras! Talvez Sophia, a partir do livro já referido acima, possa ainda ajudar-nos a esclarecer todos aqueles que querem ver como culpadas as palavras e não a língua que as articula com o poema “O Velho Abutre”: “O velho abutre é sábio e alisa as suas penas/ A podridão lhe agrada e seus discursos/ Têm o dom de tornar as almas mais pequenas”.

(...)


Guarda, 25 de Junho de 2012
Daniel António Neto Rocha

(excerto da Crónica Radiofónica - Rádio Altitude, no dia 26 de Junho de 2012 - disponível em podcast em Altitude.fm)

(*) Porque acabou a temporada deste ano.

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