quarta-feira, outubro 17, 2012

Crónica Bombeiros.pt: Situation closed!


1. Incêndio extinto! Ocorrência resolvida! Pessoal desmobilizado! Época fechada! Tudo já está bem, agora só falta é que não haja mais incêndios e que o São Pedro seja, de facto, um dos nossos e colaborante. Ou seja, fiemo-nos na virgem (santa), mas não demasiado!

2. É hoje encerrada aquela que foi convencionada como a “Época de fogos” em Portugal, ilhas incluídas! E o que sobressai desta espécie de Concordata entre Bombeiros e Governo de Portugal é que a partir de agora as ocorrências de incêndio que vierem a eclodir terão de ser combatidas apenas em horário pós-laboral por muitas das Corporações de Bombeiros do país, pois não me parece que haja pessoal a poder voltar a faltar ao trabalho para apagar fogos. Como digo acima, espero que o nosso São Pedro seja simpático connosco e não nos castigue com muitos dias de tempo quente ou que o conhecido e famoso Verão de São Martinho seja apenas para um par de dias e não nos faça andar a subir e descer serras. É que a partir de agora o nível de prontidão está completamente comprometido e não me parece que só a vontade dos homens e mulheres deste país consiga apagar fogos à nascença. Claro que, visionários como são os nossos governantes e conhecedores do grande número de bombeiros que foram despedidos nos últimos tempos, talvez estejam a contar que esses desempregados bombeiros possam ter disponibilidade para serem, mais uma vez, a resolução para o problema. Mas, num clima social quente e faiscante, estaremos nós disponíveis para colocarmos a vida em risco enquanto alguns insistem em nos deitar a corda ao pescoço? Sinceramente, e falando de forma muito geral, penso que estaremos na disposição de irmos até ao limite da nossa área de intervenção (falo, como é óbvio das áreas de intervenção de cada corpo de bombeiros), mas não me parece que estejamos disponíveis para ir para áreas que não são nossas, até porque os recursos das Associações são cada vez menores e não se podem dar ao luxo de perder meios que podem ser essenciais no seu próprio território. Esta é a minha leitura daquilo que pode vir a acontecer em muitas corporações. Pessoalmente, e perante a reflexão que fiz acima, penso que terei muita dificuldade na tomada de uma decisão, caso seja confrontado com uma situação destas. E, sim, também estou numa situação extremamente precária em termos profissionais. O problema é que o nosso país está a obrigar-nos a pensar de forma individualista e isso significa que o voluntarismo que caracteriza a maior parte dos homens e mulheres que abraçaram esta causa começa a ter problemas em se realizar plenamente. Todos nós sentimos na pele o desrespeito do poder pelo nosso trabalho voluntário, cortando a torto e a direito aquilo que cada um de nós acaba por merecer!

3. De forma muito serena, como é hábito do Professor Xavier Viegas, foi entregue o relatório sobre o grande incêndio florestal do ano que aconteceu em Tavira. Já tive oportunidade de o ler (não sei se incorrendo numa ilegalidade!) e é um óptimo exercício de aprendizagem e de esclarecimento. De uma forma extremamente pedagógica e informativa, os autores vão analisando os diversos factores que estiveram em causa desde a eclosão do incêndio até à sua extinção. Relatando, analisando, confrontando e criticando, o relatório faz aquilo que todos nós deveríamos fazer em todas as nossas corporações e, porque não dizê-lo, nas nossas profissões: uma reflexão sobre o que correu bem e o que correu mal. E, ao contrário do que possivelmente esperávamos todos, a principal causa do desnorte no combate ao incêndio (na leitura que eu faço da informação que li no relatório) ficou a dever-se a algo que é comum acontecer em todos os sectores da nossa sociedade, ou seja, impreparação e falta de treino de cenários extremos e quase impensáveis. É comum sabermos de grandes incêndios que acontecem, principalmente, nos Estados Unidos da América e na Austrália que envolvem milhares de elementos da protecção civil, mas nunca se imaginou que um dia, em Portugal, isso também poderia acontecer. Logo, não se pensou se o pior cenário que o SIOPS preconiza era ou não o pior que poderia/pode vir a acontecer. Penso que o problema está aqui: no planeamento a longo tempo. Não se pode pedir que uma estrutura (desde o topo até ao mais pequeno elemento da base), que não foi treinada para reagir a algo que parecia impensável que viesse a acontecer, que o faça de forma perfeita e coordenada. Daí que os nossos governantes têm de se mentalizar de que nem sempre o nosso espírito de MacGyver resolve os problemas que, essencialmente, foram criados por eles!       

    
Guarda, 15 de Outubro de 2012
Daniel António Neto Rocha

(Texto publicado e disponibilizado no Portal Bombeiros.pt no dia 15 de Outubro de 2012)

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