Sérgio, passaram onze anos. Onze anos desde que tu partiste
e onze anos em que eu prometi a mim mesmo que não permitiria que mais ninguém
passasse por aquilo que nós, os que ficámos, passamos ainda hoje. Fui demasiado
crente na minha pequena capacidade para mudar o mundo e acreditei que o mundo,
o nosso mundo português, também quisesse mudar a bem de todos. Enganei-me!
Ninguém me quer ouvir, ninguém se quer preocupar, ninguém quer resolver coisa
nenhuma, ninguém abdica do seu conforto pessoal em benefício de todos, ninguém
parece importar-se connosco, aqueles que ficam.
Sérgio, no ano passado, por esta altura, houve um alto
representante dos bombeiros, daqueles que os formam, que disse que o que nós
fazemos aqui no nosso berço, mostrando a quem quer aprender os teus últimos
passos, “não adianta, não traz nada novo, está ultrapassado, pois nós [a Escola
Nacional de Bombeiros] fizemos centenas de formações onde abordamos este tema”.
Outro, presidente da Liga, acabou por dizer que “isto é feito por duas pessoas
e não é necessário”. Estás a rir-te, não estás? Eu sei que sim. Sabes que eu
continuo a ser bombeiro e, nestes onze anos, apenas ouvi falar do acidente de
Famalicão da Serra em contexto de formação aqui nas nossas Jornadas? Sim,
Sérgio, sei que sabes e sei que nada podes fazer para o mudar… Quem pode, não o
quer fazer. E quem acaba por pagar são os mesmos, os que não têm voz (mas têm
braços, e cansaço, e determinação, e vontade de ajudar, e família).
Sérgio, desculpa-me! Falhei! Onze anos falhados na procura
de melhorias que impedissem o sofrimento das pessoas, de bebés… Desculpa as
lágrimas, mas não suporto esta sensação de falhanço. A culpa é minha, pois não
consegui resolver nada. Não consegui fazer com que as pessoas aprendessem mais
e melhor, não consegui que as leis fossem cumpridas, não consegui que os nossos
governantes percebessem que a sua acção ou inacção faz com que pessoas morram,
não consegui nada… apenas consegui falhar.
Sérgio, onze anos… nunca me demiti desta missão de mudança,
nunca desisti, nunca percebi que não havia nada a fazer nem que tudo já está
feito.
Sérgio, pedi, no ano passado por esta altura, ao Secretário
de Estado que não fizesse promessas, que dissesse à Ministra que não fizesse
promessas, que levasse esta mensagem ao Primeiro-Ministro: “Não prometa aquilo
que não pode cumprir! Preferimos que trabalhem para realizar algo, não que
prometam esse mesmo algo!”. Não pedi a ninguém que se demitisse, apenas pedi
mais acção e menos promessas.
Sérgio, passaram onze anos e ninguém parece querer admitir
que todos nós falhámos na nossa obrigação de proteger os outros, e que só em
conjunto e admitindo com humildade as nossas falhas é que podemos TODOS fazer
mais e melhor.