“O Convento”,
de Daniel António Neto Rocha
O Convento do Senhor
Bom Jesus, ou Convento do Mato Grosso, é indissociável do imaginário de
Famalicão. Não será de estranhar, pois, que o imaginário de Daniel Rocha, mais
do que a atração do labirinto de silvas, muros, portas e postigos, a que hoje se
reduz a parte (des)habitada do Convento, tenha sentido o fascínio da lenda sobre
a sua origem e a sua ligação à imagem do Senhor Bom Jesus – objeto continuado
da veneração das gentes de Famalicão
e arredores.
A história prende a imaginação e a curiosidade do amigo leitor, num tom
agradável, entre a crónica e a novela exemplar. Como diria Garrett, conta-se em duas palavras e romanceia uma
estória mil vezes passada de boca
em boca, à qual o tempo já somou tantos pontos quantos os contadores:
Uma jovem pastora,
Madalena, encontra uma pequena imagem de Cristo crucificado, que, fascinada,
leva para casa e mostra aos pais. A seguir, vem o facto extraordinário: nos dias
que se seguem, perante o pasmo e a excitação cautelosa da família, a misteriosa
imagem teima em desaparecer da casa da pastora, para reaparecer no ermo onde
pela primeira vez fora encontrada… Pelo meio, a evocação da aldeia de Famalicão
nos primeiros anos do século XVI – a pobreza, a religiosidade, os medos do povo
e até uma tragédia, absurda e anacrónica como as tragédias de hoje.
Na verdade, O Convento reinventa
a velha lenda oral, afastando-se deliberadamente da sua versão mais comum: A
pastora, que era anónima e de Valhelhas, vive agora em Famalicão e chama-se Madalena
(pretexto para introduzir no enredo a memória das ruínas que já foram a pitoresca
capela de Santa Maria Madalena); O frade descrente que – reza a tradição –
picou a sagrada imagem e padeceu horríveis maleitas
por isso, dá lugar à figura humanista e esclarecida do bom Padre João; Quanto
a D. Rodrigo de Castro, senhor de Valhelhas, não mais que uma referência
lacónica…
O autor evitou, pois, a
tentação de parafrasear a tradição ou de ”fazer crónica” para memória futura. Em
boa hora, diga-se: importará a verdade para o caso? Que verdade há nas lendas,
para além dos lugares e das pedras – mesmo que o povo acredite?
«A verdade é mais
estranha do que a ficção», dizia Jim Morrison. Forjada na rivalidade secular
entre Famalicão e Valhelhas, a velha
lenda surge matizada de fé – mas também de uma beleza triste e efémera, na
evocação do destino da família anónima que se extingue, entre os absurdos da
vida e os insondáveis desígnios do Senhor.
Quanto ao convento, que
as pedras contem a história…
Honorato
Esteves
(recensão crítica publicada In: Revista Praça Velha n.º 34. – Guarda: NAC/ CMG, Maio de 2014.)
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