Mal
me atrevo a escrever, mas o ano de 2013 foi um ano muito bom para mim e para a
minha esposa. Desde o dia 2 de Janeiro de 2013 que somos cidadãos de Portugal,
com uma pensão/reforma holandesa. A construção da nossa casa foi concluída sem
problemas graças ao nosso empreiteiro “cinco estrelas”.
Já
foi há 7 anos que nós decidimos não olhar para trás após a nossa reforma, ir
procurar desafios novos e emigrar para Portugal. Já tínhamos passado muitas
férias cá e gostamos da natureza da Serra da Estrela, do ar puro, do tempo, do
espaço, da tranquilidade e, especialmente, dos Portugueses nesta região, que
são simpáticos e prestáveis. “Bons vizinhos são como irmãos” dizia o nosso
vizinho no primeiro encontro e acrescentava “Posso ser o seu irmão. Depende de
ti.”
Mas,
mesmo assim, mudar-se para o estrangeiro é uma experiência comparável a um
duche frio de manhã. Tudo é novo, nada é óbvio. As expectativas familiares já
não se aplicam. Perdes todos os automatismos. Todas as instituições e estruturas
da vida pública – seguros, finanças, saúde, Câmara Municipal, EDP, companhias
telefónicas - são diferentes das da Holanda e é difícil comunicar sobre isso
porque a própria língua é uma barreira.
No
processo de integração cívica recebemos ajuda de familiares e amigos holandeses,
mas também da família Portuguesa na casa da qual morámos nos primeiros meses.
Eles apresentaram-nos à população e às festas locais. O nosso professor de Língua
Portuguesa interpretou - e interpreta - igualmente um papel importante, não só
como professor, mas também porque nos oferece a possibilidade de participar
activamente na arte e na cultura desta região.
Não seria justo já julgar de qualquer
maneira Portugal. Mas posso dar algumas impressões e pensamentos ainda incoerentes.
É interessante que há muitas coisas que me fazem lembrar a minha juventude na
Holanda, entre os anos 1950 e 1960. Vejo, por exemplo, em toda a parte pessoas
sentadas umas encostadas às outras: a distância física é mais pequena do que na
Holanda nesta altura. Era para mim uma grande surpresa ouvir o nosso
empreiteiro terminar uma conversa com “Abraço!”. Este tipo de relação física já não existe na
Holanda. O poeta holandês Lucebert já escreveu no ano 1952: “o abraço
deixa-nos num jogo desesperado com o vazio”.
Parece-me
também que existe em Portugal mais respeito dos jovens pelos adultos, como na
minha juventude. Por outro lado este “respeito” deve, talvez, ser compreendido
como um sentimento de hierarquia, que foi demolido na Holanda nos períodos
mencionados. O poeta acima mencionado decidiu, em 1954, aceitar um prémio da
cidade de Amesterdão vestido como imperador. Acho que as pessoas aqui ainda têm
muito respeito para os funcionários públicos, da Câmara, do Registo, da polícia,
dos Bombeiros, do INEM, enquanto na Holanda estas pessoas são cada vez mais
confrontadas com a agressão e a violência do público (o que detesto). Ao mesmo
tempo os Portugueses têm uma aversão profunda pelas autoridades políticas.
Sendo assim, não compreendo porque têm muitas vezes uma atitude resignada e porque
não acontecem mais campanhas ou acções de “desobediência civil” como na Holanda
no período da contestação entre 1960-1970. Podia ser que, o que chamei
“respeito” e “sentimento de hierarquia”, se fundamenta-se, ao menos em parte,
numa angústia, angústia, fundada ou não, que é um vestígio do período antes de
1974? Seja como for, a autoridade política, acho eu, tem de trabalhar a sua
imagem, enquanto os cidadãos têm que familiarizar-se com uma mentalidade de
responsabilidade própria e de confiança no seu poder próprio.
O
meu voto para o ano 2014 é que usemos o poder criador da literatura, do
teatro, da música e das belas artes para
a formação desta mentalidade.
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Jos
van den Hoogen nasceu na Holanda em 1949. Foi professor no ensino superior, na área da linguística, e aposentou-se em 2011. Em 2012
mudou-se para Portugal. É pintor e já teve algumas das suas obras expostas no Café Concerto do Teatro Municipal da Guarda. É um apreciador da arte e daquilo que a vida tem de bom. É, também, um homem bom!
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