quinta-feira, junho 09, 2005

Era uma vez um país.

Não há muito tempo atrás (cerca de 650 anos!) existiu um Rei que acumulava riquezas. Os seus cofres estavam sempre cheios. Cobrava impostos e mantinha a lei segundo os seus preceitos. Ele tinha direito a receber impostos e a impor a lei! Ele era descendente de Reis. Assim se construiam castelos, palácios, pontes, estradas, etc. Essa época era chamada de Idade das Trevas, ou, de forma mais airosa, Idade Média. Nesse período havia o Rei e havia os senhores que rodeavam o Rei - era o Portugal Senhorial. Época de diferenças avassaladoras. A verticalidade económica era avassaladora. O desrespeito pelos pobres era mais que muito. Os Senhores mandavam e desmandavam ao sabor do vento. Morria-se de fome quando alguma intempérie destruia os cultivos. Morria-se de peste devido às, nenhumas, condições higiénicas.

Mas também nesse tempo se vivia ardentemente cada dia. A morte era certa. A vida nem por isso. Nesse tempo corria-se o país e pagavam-se impostos. A protecção comprava-se, em jeito de impostos.

Nesse país vivia gente. O Rei mandava e o povo sofria. O povo pagava para viver e morria.

Nesse país viviam analfabetos, não aspiravam a ser mais que bons pais de família e bons agricultores.

Nesse país a mentira vinha de cima. A mentira vinha do Rei e dos Senhores.

Nesse país não viviam pessoas, viviam mortos.

Nesse país vivia o medo. Vivia o desejo de não morrer. Vivia a vida curta.

Nesse país vivia alguém. Não sei quem, mas vivia!

Nesse país vivo em sonhos, em devaneios de peste e de cataclismos. Sonhos transformados em pesadelos num desejo de revolta.

Nesse país vivo eu agora!

4 comentários:

Nuno Oliveira disse...
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Nuno Oliveira disse...

Peço que me desculpes o meu defeito profissional de historiador, mas não podia deixar passar.
Aquilo que dizes sobre a prodigalidade dos senhores (suseranos) face à miséria dos camponeses não é mentira nenhuma e era o que se verificava na Europa central e peninsular (na Europa de Leste havia escravatura de facto). Porém, não uses chavões como Idade das Trevas para designar a Idade Média. Isso fazia-se há muitos anos na Europa e ainda se faz nos Estados Unidos. Eu digo-te porque é que não deves dizer Idade das Trevas. Esse epíteto é baseado no pressuposto de na Idade Média ter havido um retrocesso (cultural, ideológico, económico, entre outros) face à Antiguidade Clássica, fruto da grande influência que a religião exercia sobre as ideologias na altura. Todavia, muitas vezes se esquece que durante a chamada Idade das Trevas surgiram as primeiras Universidades (a nossa UC até tem mais do que os 650 anos que tu referiste, pois foi criada por D. Dinis no ano de 1290); as Feiras também foram criadas na Idade Média; muito importante, houve um avanço ideológico face à Antiguidade Clássica, se pensarmos que surgem com Santo Agostinho e com Joaquim Da Fiore as concepções lineares do tempo que destronam as vigentes concepções cíclicas (isto é tema de conversa para horas).
Quando falas das condições precárias dos camponeses que resultam do sistema fundiário da Idade Média talvez não repares que há uma certa intemporalidade no sistema de relações. Ainda hoje tens exploradores e explorados (numa visão marxista da História). Uns possuem (riqueza e meios de produção - moinho, lagar, forno versus fábrica e máquinas) e os outros vendem a força do seu trabalho e pagam impostos (corveias, banalidades versus trabalho assalariado, IRS, IVA). Ainda hoje tens em Portugal um medievalismo mais gritante, o nepotismo. Quantas vezes não dizemos resignados: "Se não tivermos cunha não conseguimos nada neste país!"?
Não quero aqui defender a monarquia, mas os tempos que descreves (reinado de D. Afonso IV) eram outros e, obviamente, as relações e as atitudes parecem-nos impraticáveis hoje em dia.
O teu post é incisivo, pertinente e intemporal, mas tinha de fazer esta crítica. Idade Média sim, Idade das Trevas não! Até porque, se pensarmos bem, o verdadeiro retrocesso deu-se no renascimento em que houve uma imitação/reinvenção de um modelo já existente (Antiguidade Clássica). Além disso, a religião continuou a toldar os espíritos (em 1558, em pleno Renascimento tens na Península Ibérica o Index Librorum Prohibitorum).
Mais uma vez, peço desculpa por esta mania típica de historiador, esta deformação profissional, mas foi mais forte do que eu.

Abraço:

Nuno Oliveira

Daniel Rocha disse...

Obrigado Nuno.
Eu tenho consciência de tudo o que me dizes. O meu comentário foi apenas para pôr a nú as várias diferenças (parecenças) entre a sociedade actual (e a sociedade medieval). Eu sou um grande apreciador da cultura medieval (não me esqueço da profunda mobilidade intelectual para preservar conhecimentos numa época em que era quase impossível essa preservação). Na minha óptica, também acho que de trevas só teve as noites escuras. Foi uma época brihante, pouco conhecida hoje em dia em relação a outras épocas, mas que deixou uma marca que persiste hoje.
Agradeço-te o comentário enriquecedor, é mesmo isso que pretendo no meu blog.
Abraço

Liliana F. Verde disse...

Nesse país vivo eu também, experimentando uma acre amargura todos os dias...