terça-feira, dezembro 01, 2009

Uns dias com Mestre Gil!


A oportunidade de contactar com o processo de ensaio de uma peça de teatro é sempre uma oportunidade única e imperdível. A oportunidade de ver trabalhar um encenador e de poder privar com ele, quando coloca no palco e nos actores a carga simbólica sonhada dias antes, são momentos de uma aprendizagem intensa e tremendamente recompensadora.

No final do mês de Agosto, estando eu a preparar o início de mais um ano lectivo, recebi a notícia de que o Teatro das Beiras estaria, dentro de dias, a encetar ensaios para a peça “Antígona”, um dos grandes textos da literatura greco-latina. Como a curiosidade de ver encenado um texto desta magnitude é sempre imensa, decidi contactar o encenador Gil Nave (meu Mestre no Curso de Encenadores realizado há cerca de dois anos no Teatro Municipal da Guarda e patrocinado pelo INATEL) com a intenção de presenciar a mise-en-scène desta peça. Pedido aceite com gosto! O Mestre Gil deu-me acesso ilimitado a todos os momentos de preparação da peça, informando-me do dia em que se iniciariam os ensaios e da particularidade de ele ir trabalhar com a versão de Brecht que foi preparada a partir do texto original de Sófocles (quereria eu melhor?). Era chegada a vez de me deslocar até à Covilhã (cidade berço deste grupo de teatro profissional) e tomar contacto com os actores e com o espaço de trabalho.

Não foi uma situação muito normal, a que os actores tiveram de passar, pois um “corpo estranho” (que era eu!) tinha, de um momento para o outro, aparecido no seu espaço e observava tudo o que acontecia. No entanto, experiente e sabedor destas coisas surpreendentes do teatro, o Mestre Gil tratou de me dar a conhecer os e aos actores, resolvendo de forma muito simples um problema que o não chegou a ser. O espectáculo tem de continuar, pensei no momento em que vi o Mestre Gil dirigir o início do ensaio, pensando eu que iria pedir que a concentração e a disponibilidade dos actores fossem colocadas em acção. Pensei-o eu? Sim, pensei-o eu! A diferença entre trabalhar com actores profissionais e com actores amadores nota-se nestes pequenos (grandes?) pormenores, tendo eu recordado, após esta constatação, que, no Curso de Encenadores, tinha já sido referido esse facto. Mestre Gil não necessitou de pedir aos actores que o fossem, dado que o profissionalismo daquele grupo revelou-se perante mim sem demora. Calcorreando visualmente os vários momentos da peça que iam sendo ensaiados, não demorei a voltar a recordar os momentos de poeticidade intensa que me envolveram no ano de 2007. O Mestre Gil gere os seus ensaios e os seus actores com a sensibilidade de um Professor que ensina os seus alunos. Aquilo a que assisti, inicialmente, foi a uma imensa aula de história e de cultura que tinha como destinatários alunos que teriam de vivenciar e de reactivar as lendas e realidades que lhes eram apresentadas. Ainda não revelei qual era o meu papel (se é que o tinha!) naquele espaço de confidências! Pois bem, eu assistia a tudo com vontade de entrar na conversa e de partilhar experiências, mas não o fiz! Porquê? Não sei. Talvez o saiba daqui a algumas palavras.

Uns dias passaram, dependendo da minha disponibilidade a maior ou menor presença nos ensaios.

A peça ganhava forma e a minha visão da aula que frequentava também. Esta imensa aula envolvia um papel passivo e de mera observação. Envolvia, também, vários momentos de discussão sadia com o Encenador, onde lhe pedia a explicação de um determinado gesto ou decisão, onde lhe perguntava o porquê de seguir uma metodologia de encenação mais brechtiana ao invés de uma mais clássica, onde o confrontava com a minha constatação do seu papel quase paterno em relação aos actores, onde me explicou o porquê de um movimento, muito usual nele, de aproximação e de isolamento do actor para uns breves momentos de análise e de explicação do seu comportamento cénico e psicológico, onde me mostrou o porquê da existência de uma necessidade muito humana de sentir a peça como um filho prestes a sair dos nossos braços e onde voltei a admirar a capacidade de Mestre Gil em construir horizontes poéticos.

É este texto baseado e fundado numa análise de uma técnica de encenação? Sim, é. No entanto, quem nos diz que a aprendizagem que efectuamos tem sempre como resultado a descrição de um conjunto de metodologias e de estratégias adoptadas? Como uma peça de teatro que demonstra o que é a vida, também a vida se envolve e interage com o teatro, permitindo a recolha de ensinamentos de uma forma, aparentemente, despida. Aprendi? Muito. Vou fazer como o Mestre Gil faz? Não e sim, dado que o seu ideal de teatro é um (do qual gosto imenso e que admiro fervorosamente) e o meu ideal de teatro será outro, mas isso só daqui a uns anos é que poderá ser constatado.

P.S. – Agradeço ao Mestre Gil a sua atenta consideração pelo meu pedido e peço-lhe desculpa pelo modesto texto que lhe dedico; agradeço também ao Teatro das Beiras a oportunidade de conhecer por dentro o seu espaço; agradeço ainda aos actores (António Alves Vieira, Fernando Landeira, Pedro Damião, Pedro da Silva, Rui Raposo Costa, Sónia Botelho e Teresa Baguinho) o consentimento dado para a minha presença nos ensaios.


Daniel António Neto Rocha

(Texto publicado em Boletim Cultural n.º 21 da Fundação INATEL)

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