1. Incêndio extinto!
Ocorrência resolvida! Pessoal desmobilizado! Época fechada! Tudo já está bem,
agora só falta é que não haja mais incêndios e que o São Pedro seja, de facto,
um dos nossos e colaborante. Ou seja, fiemo-nos na virgem (santa), mas não
demasiado!
2. É hoje encerrada aquela
que foi convencionada como a “Época de fogos” em Portugal, ilhas incluídas! E o
que sobressai desta espécie de Concordata entre Bombeiros e Governo de Portugal
é que a partir de agora as ocorrências de incêndio que vierem a eclodir terão
de ser combatidas apenas em horário pós-laboral por muitas das Corporações de
Bombeiros do país, pois não me parece que haja pessoal a poder voltar a faltar
ao trabalho para apagar fogos. Como digo acima, espero que o nosso São Pedro
seja simpático connosco e não nos castigue com muitos dias de tempo quente ou
que o conhecido e famoso Verão de São Martinho seja apenas para um par de dias
e não nos faça andar a subir e descer serras. É que a partir de agora o nível
de prontidão está completamente comprometido e não me parece que só a vontade
dos homens e mulheres deste país consiga apagar fogos à nascença. Claro que,
visionários como são os nossos governantes e conhecedores do grande número de
bombeiros que foram despedidos nos últimos tempos, talvez estejam a contar que
esses desempregados bombeiros possam ter disponibilidade para serem, mais uma
vez, a resolução para o problema. Mas, num clima social quente e faiscante,
estaremos nós disponíveis para colocarmos a vida em risco enquanto alguns
insistem em nos deitar a corda ao pescoço? Sinceramente, e falando de forma
muito geral, penso que estaremos na disposição de irmos até ao limite da nossa
área de intervenção (falo, como é óbvio das áreas de intervenção de cada corpo
de bombeiros), mas não me parece que estejamos disponíveis para ir para áreas
que não são nossas, até porque os recursos das Associações são cada vez menores
e não se podem dar ao luxo de perder meios que podem ser essenciais no seu próprio
território. Esta é a minha leitura daquilo que pode vir a acontecer em muitas
corporações. Pessoalmente, e perante a reflexão que fiz acima, penso que terei
muita dificuldade na tomada de uma decisão, caso seja confrontado com uma
situação destas. E, sim, também estou numa situação extremamente precária em
termos profissionais. O problema é que o nosso país está a obrigar-nos a pensar
de forma individualista e isso significa que o voluntarismo que caracteriza a
maior parte dos homens e mulheres que abraçaram esta causa começa a ter
problemas em se realizar plenamente. Todos nós sentimos na pele o desrespeito
do poder pelo nosso trabalho voluntário, cortando a torto e a direito aquilo
que cada um de nós acaba por merecer!
3. De forma muito serena,
como é hábito do Professor Xavier Viegas, foi entregue o relatório sobre o
grande incêndio florestal do ano que aconteceu em Tavira. Já tive oportunidade
de o ler (não sei se incorrendo numa ilegalidade!) e é um óptimo exercício de
aprendizagem e de esclarecimento. De uma forma extremamente pedagógica e
informativa, os autores vão analisando os diversos factores que estiveram em
causa desde a eclosão do incêndio até à sua extinção. Relatando, analisando,
confrontando e criticando, o relatório faz aquilo que todos nós deveríamos
fazer em todas as nossas corporações e, porque não dizê-lo, nas nossas
profissões: uma reflexão sobre o que
correu bem e o que correu mal. E, ao contrário do que possivelmente
esperávamos todos, a principal causa do desnorte no combate ao incêndio (na
leitura que eu faço da informação que li no relatório) ficou a dever-se a algo
que é comum acontecer em todos os sectores da nossa sociedade, ou seja,
impreparação e falta de treino de cenários extremos e quase impensáveis. É
comum sabermos de grandes incêndios que acontecem, principalmente, nos Estados
Unidos da América e na Austrália que envolvem milhares de elementos da
protecção civil, mas nunca se imaginou que um dia, em Portugal, isso também
poderia acontecer. Logo, não se pensou se o pior cenário que o SIOPS preconiza
era ou não o pior que poderia/pode vir a acontecer. Penso que o problema está
aqui: no planeamento a longo tempo. Não se pode pedir que uma estrutura (desde
o topo até ao mais pequeno elemento da base), que não foi treinada para reagir
a algo que parecia impensável que viesse a acontecer, que o faça de forma
perfeita e coordenada. Daí que os nossos governantes têm de se mentalizar de
que nem sempre o nosso espírito de MacGyver resolve os problemas que,
essencialmente, foram criados por eles!
Guarda,
15 de Outubro de 2012
Daniel
António Neto Rocha
(Texto
publicado e disponibilizado no Portal Bombeiros.pt no dia 15 de Outubro de 2012)