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sexta-feira, outubro 20, 2017

Crónica Bombeiros.pt: Senhor Presidente, demita-se!

O debate acerca dos incêndios de 2017 ainda não saiu à rua. De facto, a imensa turba barulhenta que se tem ouvido é exclusivamente partidária e com intenções claramente eleitoralistas. Foi-o antes das autárquicas e é-o já (e isto é de louvar nos partidos mais activos) na preparação das eleições de 2019. Arrisco-me a dizê-lo, houvesse uma pró-actividade tão grande destes putativos governantes no tratamento da res publica, quando são efectivamente governantes e deputados e outras coisas, e viveríamos descansadamente num país perfeito.
Depois da pequena introdução, gostaria de fazer uma pequena declaração: sou um homem livre no uso e abuso da minha vontade expressiva e na reflexão temática, não sendo dado a preferências partidárias ou de outra índole. Digo isto porque penso que as demissões compulsivas não funcionam e que as mesmas têm de ter um fundamento que vai para além da emotividade própria dos momentos trágicos ou da aparente constatação de fracassos de modelos. Onde quero chegar com isto? Quero dizer que a cosmética não tem qualquer efeito na efectivação de medidas e que a demissão de responsáveis governativos não adianta nada de nada. Provas? O que disse o autarca de Pedrógão Grande depois do dia 17 de Junho? Disse que os Planos de Emergência não serviam para nada, pois seriam, no seu entendimento, teoria que ninguém lê e ignorou a sua real aplicação. Como ele, quantos não dizem e não fizeram o mesmo? Convém recordar os mais incautos, os menos atentos e os que não vão além do horizonte da sua casa, que o responsável máximo ao nível dos concelhos na área da Protecção Civil é o Presidente da Câmara. Deverá, portanto, caber a este a gestão e monitorização de tudo o que puder ser tido como risco e de todos os intervenientes na actividade de prevenção ou resolução desses riscos. Faço um desafio aos leitores: se o não souberem já, perguntem nas Câmaras Municipais dos vossos concelhos quantas reuniões das Comissões que preparam as medidas a aplicar ao nível da prevenção de riscos e do combate aos mesmos riscos houve durante este ano. E tentem saber quais as decisões que foram tomadas e efectivadas no terreno. E, já agora, tentem também perceber junto das Juntas de Freguesia (as actas das Assembleias serão uma boa fonte de informação) se houve a necessária comunicação de riscos existentes para os gabinetes concelhios.
Quem ouve, através da comunicação social, todos e cada um a falar sobre a falência do Estado na defesa de povoações e de pessoas, e tende a acusar qualquer Ministro e incentivá-lo a demitir-se, deve pensar naquilo que não fez!
Quem fala, nos mesmos canais, nos pedidos feitos ao Presidente da República ou a Secretários de Estado ou à “virgem Maria” para enviar meios para os seus concelhos e durante a ocorrência anda a dar beijinhos e abracinhos pelo meio das ruas das aldeias a arder, deve pensar naquilo que não fez e naquilo que deveria estar a fazer para minimizar os estragos!
Quem acusa, seja comunicação social, comentadores, opinadores ou candidatos a tantos lugares ricamente emplumados, deve pensar naquilo que não fez e naquilo que fez enquanto as povoações ardiam, e na informação que poderia disponibilizar às povoações e não disponibilizou!
Para termos razão no apontar de dedo que fazemos aos outros, sejam bombeiros, sejam operacionais de outras forças, sejam ministros, sejam presidentes de autoridades ou de outras instituições, temos de ter a certeza de tudo termos feito da nossa parte para impedir que a desgraça acontecesse. E isto não aconteceu!
Por tudo isto, e usando a estratégia de tantos e até do Sr. Presidente da República, pergunto agora eu aos Senhores Presidentes das Freguesias e Senhores Presidentes das Câmaras: Quando vão assumir a vossa responsabilidade em tudo o que aconteceu e assinar a vossa carta de demissão? Ou não há dignidade da vossa parte?

P.S. – A aldeia onde vivo, sim, também esteve debaixo de fogo no dia 15 de Outubro de 2017.

Moimenta da Serra (Gouveia), 20 de Outubro de 2017
Daniel António Neto Rocha

domingo, julho 09, 2017

Crónica Bombeiros.pt: Sérgio, desculpa-me! Onze anos passaram e continuo a falhar.


Sérgio, passaram onze anos. Onze anos desde que tu partiste e onze anos em que eu prometi a mim mesmo que não permitiria que mais ninguém passasse por aquilo que nós, os que ficámos, passamos ainda hoje. Fui demasiado crente na minha pequena capacidade para mudar o mundo e acreditei que o mundo, o nosso mundo português, também quisesse mudar a bem de todos. Enganei-me! Ninguém me quer ouvir, ninguém se quer preocupar, ninguém quer resolver coisa nenhuma, ninguém abdica do seu conforto pessoal em benefício de todos, ninguém parece importar-se connosco, aqueles que ficam.

Sérgio, no ano passado, por esta altura, houve um alto representante dos bombeiros, daqueles que os formam, que disse que o que nós fazemos aqui no nosso berço, mostrando a quem quer aprender os teus últimos passos, “não adianta, não traz nada novo, está ultrapassado, pois nós [a Escola Nacional de Bombeiros] fizemos centenas de formações onde abordamos este tema”. Outro, presidente da Liga, acabou por dizer que “isto é feito por duas pessoas e não é necessário”. Estás a rir-te, não estás? Eu sei que sim. Sabes que eu continuo a ser bombeiro e, nestes onze anos, apenas ouvi falar do acidente de Famalicão da Serra em contexto de formação aqui nas nossas Jornadas? Sim, Sérgio, sei que sabes e sei que nada podes fazer para o mudar… Quem pode, não o quer fazer. E quem acaba por pagar são os mesmos, os que não têm voz (mas têm braços, e cansaço, e determinação, e vontade de ajudar, e família).

Sérgio, desculpa-me! Falhei! Onze anos falhados na procura de melhorias que impedissem o sofrimento das pessoas, de bebés… Desculpa as lágrimas, mas não suporto esta sensação de falhanço. A culpa é minha, pois não consegui resolver nada. Não consegui fazer com que as pessoas aprendessem mais e melhor, não consegui que as leis fossem cumpridas, não consegui que os nossos governantes percebessem que a sua acção ou inacção faz com que pessoas morram, não consegui nada… apenas consegui falhar.

Sérgio, onze anos… nunca me demiti desta missão de mudança, nunca desisti, nunca percebi que não havia nada a fazer nem que tudo já está feito.

Sérgio, pedi, no ano passado por esta altura, ao Secretário de Estado que não fizesse promessas, que dissesse à Ministra que não fizesse promessas, que levasse esta mensagem ao Primeiro-Ministro: “Não prometa aquilo que não pode cumprir! Preferimos que trabalhem para realizar algo, não que prometam esse mesmo algo!”. Não pedi a ninguém que se demitisse, apenas pedi mais acção e menos promessas.

Sérgio, passaram onze anos e ninguém parece querer admitir que todos nós falhámos na nossa obrigação de proteger os outros, e que só em conjunto e admitindo com humildade as nossas falhas é que podemos TODOS fazer mais e melhor.

sexta-feira, março 17, 2017

Crónica Bombeiros.pt: Pequena carta à mãe de um bombeiro

Mãe, querida Mãe,

Escrevo-te com a certeza de que me não lerás, pelo menos até te terem chamado a atenção para este algo que sabes que por vezes acontece.
Sim, Mãe, escrevo-te, como tantos outros poderiam escrever às suas próprias mães.
Sim, Mãe, escrevo-te na minha pele de bombeiro, naquela pele que tantas e tantas vezes desejaste que não tivéssemos conhecido nunca.
Sim, Mãe, escrevo-te mais cedo do que é normal, pois o fumo ainda não está continuamente no ar e as televisões ainda descansam ao som de alegres festas populares.
Enfim, Mãe, apeteceu-me escrever-te, do meio destes tempos negros e ingratos que a vida por vezes me traz, para te dizer que SIM. Sim, Mãe, eu olho para trás e, sim, escondo-me todo para enganar a tua preocupação.
Cada vez que saio a correr, com a humanidade a encher-me os olhos, espreito sobre o ombro e vejo-te, quase ausente do mundo, a respirar a descompasso. Vejo-te e os teus olhos estão cheios de rápidas melhoras e de terríveis pensamentos. Espreito-te e os teus olhos dizem que não vá, que não ouse desafiar as leis da física, as probabilidades e a própria vida.
Com aquele mover de olhos intenso e preocupado, que o tempo amadureceu depressa demais, perguntas onde falhaste ao avisar-me dos perigos e culpas-te pelas escolhas que fiz. Não, Mãe, não falhaste em nada. Não, Mãe, não tens culpa de nada. Não, Mãe, o teu exemplo dá esperança ao mundo e os dias fazem sentido porque tu lhe dás continuamente corda.
Mãe, eu olho para trás e penso em ti. Não há passo que dê que não esteja aquele teu olhar ao meu lado, recomendando calma ou dando força. Quando tudo parece estar perdido, ali estás tu a aguentar-me inteiro e íntegro no estender de mão ao meu semelhante. Ali estás tu a ver-me correr e a pensar que não olho para trás, que não penso em ti, que nada mais interessa do que os outros, …
Quando o nosso Verão recomeçar, com o abraço entre gente simples a percorrer o asfalto, enquanto nas televisões se dá voz aos gritos de dor e de revolta, lembra-te que eu olho sempre para trás… para o sítio onde deixo o coração.
Até breve, Mãe!

Daniel António Neto Rocha
Moimenta da Serra, 17 de Março de 2017

sexta-feira, outubro 28, 2016

Crónica Bombeiros.pt: Pequena carta aos filhos dos bombeiros

Amigos,
Como imagino que podeis não saber ainda ler, peço ao vosso pai ou à vossa mãe (ou mesmo a outro familiar) que me ajude a chegar a vós.
Sabeis, neste tempos difíceis em que os vossos pais bombeiros têm passado tanto tempo longe de vós, eles têm partilhado alguns instantes, algumas aflições e tanto e tanto suor com outros homens e mulheres que, como eles, tentam defender o vosso futuro e o vosso país.
Não, eles não vos abandonaram nem sequer se esqueceram de vós. Aliás, em todos os momentos de descanso ou de viagem rumo a outro incêndio, é de vós que eles se lembram e é a vós que desejam voltar rapidamente.
Sim, eles só vos vêem a vós! E dizem mesmo que o que os move é o vosso sorriso, a vossa alegria, quando chegam, cansados, e vos vêem correr para eles de braços abertos ou vos vêem dormir, descansados, em casa. Sim, os vossos pais sabem que vós os amais. Sim, os vossos pais amam-vos acima de tudo e de todos.
Aqui há dias, enquanto combatíamos um incêndio no cimo de uma montanha, a montanha mais alta de Portugal, e no momento em que o Sol e a Lua apareciam quase a par e mostravam que algumas flores tinham sido poupadas, alguns bombeiros acabavam de apagar um dos sítios que ardiam. Assim que tal aconteceu, sentaram-se por momentos e falaram de vós, pequenos heróis, que estavam em casa à espera de uma notícia ou de apenas um Bom Dia! E falaram do gosto de cada um de vós pelo momento em que se ligam as luzes brilhantes do carro de bombeiros e vós vos juntais a um momento de descansada diversão no quartel. Nesse momento, vós sonhais com o ser bombeiro e com o papel importante que ele, bombeiro e vosso pai, tem.
Sabeis, naquela montanha, naquela manhã, naquele momento em que o Sol e a Lua bailavam acima de tudo e de todos, naquele instante em que vários pais falavam sobre os vossos sorrisos, uma frase simples, em jeito de pergunta, ficou-me no ouvido e foi dita por tantos de vós no momento que os vossos pais saiam de casa:
“Pai, vais ajudar as pessoas?”
Sim, os vossos pais vão ajudar milhares de pessoas, mas amam-vos acima de tudo! Nunca se esqueçam!

Daniel António Neto Rocha
Famalicão da Serra, 9 de Setembro de 2016

Crónica Bombeiros.pt: No país dos sábios e santos

Não haverá país no mundo inteiro onde, por ordem e graça divina, a sabedoria tenha sido tão semeada como nas terras senhoriais de Portugal, tanto continental como insular.
Que somos um país abençoado pela graça divina… já o sabemos desde o Ourique, relembrado recentemente por sua excelência o (novo) Presidente da República. Também o sabemos pela capacidade formativa ao nível da santidade: temos António, temos Nuno, temos os beatos e outros teremos, certamente. Por fim, temos também a vinda da virgem santíssima que decidiu instalar-se em Fátima. Tudo isto, vejam bem, apenas com um pequeno correr de memória da santidade portuguesa.
Santidade vista… falemos da sapiência que, pelos vistos, também será qualidade do ADN de ser português. Poderíamos comprovar este facto com provas dadas e com trabalho feito por gentes que se destacam nas mais diversas áreas, mas tudo isso para quê? Não podemos nós fazer antes alusão à esperteza que conduz as mais diversas instituições que acabam por ruir? Não poderemos nós fazer menção a todos aqueles que “em bicos dos pés” e com uma “sem-vergonhice desmesurada” se aprestam a dizer presente quando a ausência é sempre notada?
Pois bem, de aparecimentos divinos e sapientes em função da comunicação social estão os bombeiros fartos, mesmo que a desfaçatez destes santos e sábios de ocasião tente passar uma ideia contrária.

Moimenta da Serra, 6 de Julho de 2016

Crónica Bombeiros.pt: “Puta que pariu” o terrorismo à maneira portuguesa!

1.São tempos de convulsões extremas na dita sociedade ocidental. O medo – aliado a um desconhecimento imenso do “outro” – e a subsequente insegurança – até agora encapotada pelos milhões de euros, dólares, etc. – são motivos para governantes e seus protegidos se aliarem numa tentativa flagrante de manutenção de um estado de coisas favorável à escravidão dos novos tempos e à ditadura dos números. Tudo isso vitima de uma ganância e de uma assumida estratégia de soma de parcelas em que se exploram os de cá (os do seu próprio país) e os de lá (os dos países controlados por ditadores assumidos ou por grupos criminosos “de pistola e catana”) sem olhar para a forma como os direitos humanos mais básicos se transformam em palavras de ordem e de desordem nas ululantes redes sociais. Ah!, tudo isso misturado com a moda da defesa intransigente de tudo o que mexe e rebola, nem que seja pela acção do vento. Mas, não nos desviemos do assunto! O terrorismo, tal como antes, assume hoje características impensáveis para uma dita sociedade das nações ou sociedade mundial ou sociedade humana. O terrorismo é hoje motivo para migrações de pessoas cansadas de estar aprisionadas em campos de concentração modernos (os chamados campos de refugiados) em que famílias inteiras esperam apenas pela morte, subsistindo e pouco mais. O terrorismo mediático, o tal dos “gajos fundamentalistas do islão”, é, aparentemente, aceite pelos polícias do mundo com uma calma preocupante, enquanto morrem milhares de pessoas e milhões vivem em constante estado de terror.

2.E nós por cá, pelo rectângulo encantado à beira mar plantado? Nós, por cá, preocupamo-nos! E ainda bem! Somos gente capaz de estar atenta às necessidades dos outros e de “sofrer” com a agrura destes povos aterrorizados por guerra, bombas e gente capaz de queimar os cidadão com um litro de gasolina. Mas, o que leio eu, nós preocupamo-nos com o “terrorismo fundamentalista islâmico” e não nos preocupamos com o “terrorismo incendiário” que nos persegue há tantos e tantos anos? Sim, também o povo português vive rodeado de um terrorismo pouco escondido, com fumo a entrar-nos pelos olhos e pelos pulmões, e com um constante aterrorizar das pessoas que vivem no meio rural e, pasmemo-nos, até com as pessoas que vivem no meio urbano. E se para combater o “terrorismo lá de fora” (sim, sei que estão a dizer que temos de prevenir o que pode vir a acontecer no futuro) são até implementadas leis que fazem de um curioso, sobre estas hordas de verdadeiros infiéis às religiões, um terrorismo em potência e com mandato de captura imediata, no caso do terrorismo cá de dentro o que fazem os governantes? Nada mais, nada menos do que tirar às forças de investigação (às forças policiais) a oportunidade de encontrar indícios de que estas acções terroristas são isso e nada menos do que isso. E são estas “pequenas” asneiras legislativas, aliadas à constante desculpabilização da negligência grosseira e dos comportamentos marginais, que fazem com que o doce aroma do Verão português seja o da madeira queimada. “Puta que pariu” o terrorismo à maneira portuguesa!

Moimenta da Serra, 24 de Setembro de 2015

quarta-feira, junho 24, 2015

Crónica Bombeiros.pt: Lá vai um, mas só um, um Kamov a voar…

E Portugal e as entidades que ganham dinheiro com Portugal… aí estão no seu melhor! Uma frota de meios aéreos essenciais para a sobrevivência não só da cadeia de Protecção Civil de um país (lembremos que se trata de um equipamento utilizado no socorro urgente e no combate a incêndios florestais e no transporte de doentes e etc.) e fica INOP de um momento para o outro, como se de uma surpresa se tratasse.
Não, não estou a dizer que não existem imponderáveis (como acidentes ou outros inconvenientes), mas há um controlo de meios e do seu desgaste que tem de ser efectuado sem… (e aqui pode doer) pensar só em ganhar dinheiro ou distribuir o mesmo dinheiro! Oito anos de desgaste de meios aéreos não foram acompanhados por equipas técnicas? Oito anos de trabalhos intensos não foram suficientes para salvaguardar a época e impedir que “a surpresa” acontecesse?
No início de Abril, em Viseu, perguntava eu ao Senhor Secretário de Estado da Protecção Civil o que aconteceria ao dispositivo, ao nível de meios aéreos, se houvesse um excesso de ocorrências e a carência desses meios. Ou melhor, se havia um plano B para o reforço desse contingente aéreo. A resposta foi: sim, tudo está previsto! As palavras significaram isto, não sei se foram efectivamente estas.
Agora, e perante este facto que é ter uma falha de vários meios aéreos e ainda não ter começado o “foguetório”, as perguntas que se impõem são: Há alguém a pensar e a cuidar dos meios para que eles não faltem quando deles mais se precisa? Ou a única questão que se coloca é saber quanto se ganha ou se distribui pelos “mais amigos”?

Moimenta da Serra, 23 de Junho de 2015

terça-feira, abril 21, 2015

Crónica Bombeiros.pt: O poder de uma “mentira”

Foi, como já fizemos menção, a nossa mentira do dia 1 de Abril, o tradicional Dia das Mentiras onde se perdoa um oportuno desvio da natural verdade noticiosa dos outros trezentos e sessenta e alguns dias. A “notícia” tinha como título “DECIF 2015: Bombeiros vão ter de passar recibo verde” e despertou muita curiosidade e levantou muita e, digo eu, necessária discussão.
A pergunta que muitos mantêm passados cerca de vinte dias é: e se fosse verdade? Pois bem, também eu, enquanto trabalhador português a recibos verdes, me coloco a mesma questão… e, o certo, é que não é nada despropositado que esse dia chegue aos bombeiros portugueses. Para quem não conhece (e esperando que haja muitos que não conheçam e pedindo ajuda aos que conhecem melhor do que eu), o recibo verde terá sido uma criação governamental transitória e reguladora de situações pouco esclarecidas e indesejáveis que se transformou no regime predilecto de contratação da “patronice” nacional, instituições governamentais incluídas. Até aqui penso que não erro muito.
Pois bem (outra vez), dentro deste regime de trabalho é incrível o número de actividades consagradas e as cambiantes para cada uma, tanto ao nível do IVA como do do IRS. Daí que… não era nada descabido que cada um de nós, bombeiros, pudéssemos ser obrigados a prestar contas sobre as compensações que recebemos nos DECIF. Digo mais, talvez fosse uma boa forma de evitar alguns “abusos” que podem, ainda, ir acontecendo por esse país fora. Não, não conheço nenhum, mas tenho a mania de ficcionalizar as coisas.
E é dentro deste contexto que surgem muitas e boas questões suscitadas pela “notícia” publicada por nós aqui no Portal. A discussão que originou revela dois campos de diálogo diferentes e bem necessários: em primeiro lugar, a necessidade de haver um amplo esclarecimento público no universo dos bombeiros portugueses sobre as compensações atribuídas aos seus elementos, começando nas direcções, passando por comandantes e contemplando bombeiros e suas famílias; em segundo lugar, a percepção por parte do Governo de que a visão que os portugueses, no geral, têm da relação que mantêm com as Autoridade Tributária é igual à que em Inglaterra havia em tempos entre o povo e o Xerife de Nottingham, ou seja, as Finanças, para os portugueses, só servem para “tirar” e não para “regular”.
Aí está o poder de uma “mentira” que, no interesse geral e devidamente enquadrada, poderia nem ser uma má medida de todo.

Moimenta da Serra, 20 de Abril de 2015
Daniel António Neto Rocha

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Crónica Bombeiros.pt: Pensar diferente


Não farei uma grande exposição, pois para grandes males os pequenos remédios são mais eficazes, mas apetece-me falar sobre nós, bombeiros, e sobre a forma como nos vemos. Regra geral, todos pensamos que somos os melhores e, a cultura que nos vendem, diz-nos isso mesmo. Somos os melhores e ponto! 
Depois, todos nos apercebemos das carências que temos nas nossas corporações (quantas vezes corremos atrás de meros equipamentos de segurança) ao nível do mais básico da nossa profissão e refilamos, berramos, e mais, e mais, mas fazemos tudo como se estivéssemos super equipados (também mentalmente). E, não, não estamos! Somos dedicados, aplicados e voluntariosos, mas isso não chega. Para além disso temos de nos conhecer bem e aceitar as nossas limitações, rirmos do desajuste que temos entre o que podemos (e devemos) fazer e o que efectivamente fazemos (tantas vezes colocando-nos em risco). 
Mas, nada disto é exclusivo de nós “a carne para canhão”. Isto é especialmente preocupante nas esferas directivas, que continuam a acreditar que são os melhores e os mais sobredotados. Este é o mal que temos de reparar antes que seja tarde para outros. 
Porém, nem só de “certezas absurdas” está o nosso Inferno cheio. Também precisamos de repensar a nossa atitude perante a vida que nos rodeia, começando por saber rir dos absurdos dela. E dos absurdos da nossa realidade, pois nenhuma realidade é isenta de humor ou de factos que podem ser risíveis. Nós, bombeiros, merecemos mais! E é por merecermos mais que eu não aceito que alguém diga que “há bombeiros que não pensam”, “que há bombeiros que não percebem o que se lhes diz”, “que há bombeiros que têm de ser levados pela mão”, etc.. Os Bombeiros Portugueses precisam de começar a exigir que os não tratem como mero “verbo de encher”.


Moimenta da Serra, 17 de Fevereiro de 2015

sexta-feira, setembro 12, 2014

Crónica Bombeiros.pt: Sexo, Drogas e Incêndios



Por incrível que pareça, não foram os incêndios das últimas semanas que estiveram no foco reflexivo principal de todos aqueles que vivem os bombeiros portugueses com intensidade e sinceridade.
Por incrível que pareça, foram as letras gordas dos jornais e os sons agressivos da rádio e televisão a anunciar que alguns dos “nossos” bombeiros eram responsáveis pelo início de um sem número de incêndios, foram as notícias a anunciar que dois dos “nossos” bombeiros tinham sido apanhados devidamente uniformizados em pleno acto de tráfico de droga, foram as notícias de um dos “nossos” bombeiros que usou a ambulância para a prática de sexo… Estes foram os momentos negros que importa, sim, trazer para a discussão e lançar uma pergunta que merece, sim, uma visão mais romântica (o estatuto agónico do bombeiro é sempre uma visão que vende bem), mas será preciso, principalmente, que essa mesma pergunta tenha uma resposta bem mais realista: O que é um Bombeiro?
Dos casos que atrás se enunciaram, e que estiveram presentes nos intervalos do combate a incêndios, o último (sim, o do bombeiro, sexo e uma ambulância) merecerá uma menção especial e rápida, pois trata-se de uma questão de cinema. O desejo despertado pelos filmes sobre bombeiros, de origem principalmente norte-americana, na mente dos bombeiros portugueses poderá ter originado esse acontecimento, juntando-se por fim aquele célebre provérbio que diz que a “ocasião faz o ladrão”. Neste caso, parecerá que o calor terá elevado os corpos a um estado tal de desejo que a irracionalidade provocada pelos filmes e pelo sexo terá sido mais forte. Um descuido? Um acto irreflectido? Um desejo secreto? Talvez, mas um mau princípio e uma atitude primária que deve estar longe de seres que se querem racionais e objectivos na missão que quiseram abraçar. Logo, querem-se homens e mulheres que cumpram as suas missões e que não se remetam a momentos que, acredito, possam ser interessantes mas que não são os daquele espaço. Para além disso, e vendo o lado positivo e risível, pode ser uma boa oportunidade de negócio para os empreendedores dos encontros românticos: vá, empresários da hotelaria, empreendam e abram um quartito para encontros românticos dentro de uma ABTD! Aposto que terão clientes e que o sucesso será tal que até me poderão atribuir uma percentagem desses ganhos.
Os casos dos bombeiros incendiários e do tráfico de droga são questões de polícia e merecem, da parte de quem se entrega a esta causa de forma honesta, o tratamento mais radical possível. Nós, bombeiros portugueses, temos pais, irmãos, amigos que morreram em incêndios e não podemos permitir que os “nossos” bombeiros nos coloquem em risco só porque estão mal dispostos ou tiveram um mau dia. Esses homens e mulheres não merecem nem podem estar do nosso lado e devem, de imediato, ser expulsos de todos os corpos de bombeiros e entregues às autoridades policiais. Não pode nem deve haver contemplação com estas atitudes que, como todos sabemos, nos colocam em risco máximo. E isto é extensível aos “nossos” que nos comprometem ao utilizar drogas ou ao praticar qualquer tipo de negócio obscuro ao coberto do bom nome dos bombeiros. Vejam que não foi o “João” ou o “António” que foram detidos por tráfico de droga ou por crime de incêndio. Foram os “bombeiros” que foram detidos. É toda a estrutura dos bombeiros, todos aqueles que dão de si na defesa da sociedade e na defesa das pessoas e bens, que estão a ser expostos pelos crimes de meia dúzia de delinquentes que contaminam as nossas fileiras.
Sim, tudo isto para chegar ao ponto e à questão fulcral que é preciso colocar de forma fria e objectiva: estamos nós, bombeiros portugueses, a recrutar quem não pode nem deve ser recrutado?
   

Famalicão da Serra, 7 de Setembro de 2014
Daniel António Neto Rocha

(crónica publicada no Portal Bombeiros.pt no dia 8 de Setembro de 2014)

quarta-feira, julho 09, 2014

Crónica Bombeiros.pt: É a sua honra que está em jogo, Sr. Ministro!



É uma das grandes discussões dos últimos dias, mas é também uma das exigências governativas e uma das necessidades mais visíveis nos bombeiros há, pelo menos, 8 (oito) anos. O Equipamento de Protecção Individual, vulgo EPI, era algo que só em sonhos é que eu, o meu irmão e a maior parte dos bombeiros portugueses pensávamos em vir a ter até Julho de 2006. No dia 9 de Julho de 2006, o meu irmão deixou de poder ter esse sonho e as entidades do sector fizeram uma autêntica revolução legislativa e organizativa que, por tão necessária e exigente que era, ainda hoje não está concluída. Daí para cá, aterrou equipamento a granel nos quartéis, em quantidade mas de qualidade duvidosa, que alegrou, pasmem-se, a maior parte dos bombeiros, inclusive eu. Claro está que para quem tem fome um prato de arroz é um oásis apetecível e nem sequer se discute se é suficiente ou não para aquilo que se faz. Calaram-se as vozes por uns tempos após a esmola. Já quanto ao resto… temos de assumir que começou a existir maior preocupação com o rigor e com a formação dos bombeiros, já a aplicação de qualquer um desses aspectos é algo que poderemos discutir, pois essa discussão também está aí.
Mas permitam-me regressar ao tema desta crónica, pois é o EPI que está aqui no centro da discussão. Só quando começámos a ter um ponto de comparação (com o aparecimento da FEB e do GIPS) é que notámos que eles vestiam bem e nós treta! E começámos a pedir mais qualquer coisa. Mas, e este é o país que temos, tanto o Governo como as Associações de Bombeiros se declaravam incapazes de pagar esses equipamentos. Claro que, e conheço bem a minha para o poder afirmar, quase todas as Associações “remendam e tapam” buracos, por vezes endividando-se, para conseguirem equipar todos os seus homens, optando (erradamente, diremos todos) por preferir a quantidade à qualidade. Mas, pergunto-vos eu, quem não optaria por ter todos os homens com uma percentagem grande de protecção em confronto com a possibilidade de ter metade dos homens com protecção total e a outra metade sem ela? Agora, da parte Governativa vem a pior parte. O Governo não tem verba suficiente para vestir todos os bombeiros portugueses com EPI de alta qualidade? Tem! E já o deveria ter assumido! Espero, sinceramente, que a “sorte” que tem sido madrasta para nós, que damos tanto por nada, seja este ano bem diferente. Se assim não for, espero que o senhor Ministro saiba que deverá demitir-se no primeiro momento em que algum bombeiro português sofra, durante esta época, qualquer tipo de lesão por causa de EPI que não obedeça às normas. É a sua honra que está em jogo, Sr. Ministro!
Claro que, e espero que todos se lembrem disto, não é o EPI o mais importante no combate ao incêndio. O mais importante de tudo é a vossa/ nossa capacidade de dizer não às missões suicidas!
Hoje marcam-se oito anos, em Famalicão da Serra, da morte do meu irmão e eu gostava que tudo fosse diferente daquilo que já foi até hoje.

Famalicão da Serra, 9 de Julho de 2014
Daniel António Neto Rocha

(crónica publicada no dia 9 de Julho de 2014 no Portal Bombeiros.pt)